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fiuzaBrasil - Sítio Coletivo - A combinação música mais história é sinônimo de ótimos debates no meio acadêmico. Esse formato, idealizado na Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná) pelo professor Alexandre Fiuza, trouxe um tema que está em evidência com a possibilidade da instalação da Comissão da Verdade, que apurará crimes cometidos pelo Estado brasileiro durante a ditadura civil-militar. Por Júlio Carignano


Esse debate foi enriquecido com a presença do jornalista e escritor Luiz Manfredini (foto), que esteve nos últimos dias na região Oeste. Nascido em 1950, o curitibano foi personagem dessa história, sendo inclusive preso no período dos 'Anos de Chumbo'.

Em Foz, ele foi um dos convidados do Salão Internacional do Livro, enquanto em Cascavel ministrou a palestra 'Memória da neblina e as moças de Minas: história e ficção sobre a ditadura'. "É a primeira vez que faço uma palestra assim, é muito gostoso ouvir música de qualidade e não ficar aqui só discutindo", diz o jornalista sobre as apresentações dos músicos Ana Carolina Noffke, Sil Vaillões e Giovani Pinheiro, que abriram o debate.

Antes do evento, o 'camarada Manfra' - apelido oriundo dos tempos de militância política no grupo Ação Popular – teve uma prosa com o Sítio Coletivo, onde falou de seus livros mais conhecidos que dão nome à palestra. Falou ainda sobre sua expectativa para a instalação da Comissão da Verdade e a atuação da imprensa na sustentação do golpe de 1964 e nos dias atuais. Abaixo trechos deste bate-papo.

[Sítio] 'Memória da neblina' e 'Moças de Minas'

[Manfredini] Na literatura podemos ter dois olhares sobre o regime, aquele jornalístico, histórico e jurídico, e o olhar da ficção. Diferente da ciência, na ficção não se precisa provar nada, mas está baseado em fatos que podem ter ocorrido. Ela te faz avançar e toca na alma das pessoas, fazendo que elas pensem. O Moças de Minas, publicado em 1989 e reeditado em 2008, é um livro jornalístico, um caso conhecido envolvendo cinco moças que pertenciam a Ação Popular, grupo que militei nos anos 60, onde estudantes se integraram a operários e camponeses. Éramos um grupo diferente dos grupos de Mariguela e Lamarca, que eram organizações armadas. Entendíamos que mais a frente esse seria o caminho, mas naquele momento era impossível, a história mostrou isso, pois do outro lado tinha um exército enorme e fortalecido. Não dava para chegar sozinho, era preciso a participação do campo, das fabricas, enfim, o livro traz depoimentos dessas cinco jovens, pesquisas junto o Supremo Tribunal Militar e uma bibliografia da época vivida, entre os anos de 1968 a 1971, que coincidem com o AI-5 (Ato Inconstitucional número 5). A outra obra, Memória de Neblina, publicada no ano passado, é uma ficção atrelada à realidade vivida nos anos 60. São três cinquentões que se reúnem para falar daquele passado. Fala da dramaticidade de viver naquela época, mas como eles eram adolescentes nessa fase, também há espaço para as brincadeiras, algumas atitudes próprias da idade, como quando vão fazer pichações nos colégios com as palavras de ordem do tipo "Abaixo a ditadura" e poesias de Ferreira Gullar. Esse era um diálogo da época de se unir a poesia e política. Os dois livros dialogam entre si, que se relacionam na problemática, apesar de não serem continuações.

Ditadura e Comissão da Verdade

A ditadura está em evidência novamente no país, devido às circunstâncias políticas, pelo momento democrático que passamos, pela instituição da Comissão da Verdade, ainda que falte a indicação dos membros do governo. Apesar de não ter caráter de punição, acho que a comissão irá prosperar. Há um interesse grande da juventude nisso, prova disso foram ações em frente às residências dos torturadores. É algo que eu não esperava e isso está acontecendo porque a sociedade entende que o país não pode avançar diante de tantas sombras em seu passado, há essa ansiedade em desvendar esse 'manto de sombras'. Ainda que a comissão não puna, é preciso tirar a limpo essa situação.

Recuos na instalação

Os recuos são próprios da luta política, são resultado de uma correlação de forças, assim como foi a própria Lei da Anistia. A comissão não depende exclusivamente da Dilma, talvez essa demora do governo em indicar seus membros tenha causado esse desgaste todo. Precisamos lutar é por uma estrutura que seja ágil, uma comissão que separe o joio do trigo, que comprove o que foi verdade, o que foi mentira e que vale a pena investigar. A própria Lei da Anistia deverá ser questionada, pois sabemos que ela foi imparcial, pois o Estado foi auto-anistiado. O que se cometeu foram crimes de Estado, veja o caso da Argentina, eles agiram positivamente ao radicalizar e o hoje o Videla está na cadeia [Jorge Rafael Videla, ex-general argentino que admitiu os crimes da ditadura]. Basicamente, se a sociedade não se envolver, se não houver pressão social, a comissão não avançará.

A imprensa e o golpe

A mídia brasileira tem três grandes momentos que merecem ser citados. Um primeiro, em 1964, quando a imprensa participa da conspiração que instaura o golpe, assim como já havia participado da oposição a Getulio Vargas. A família Mesquita [proprietária do GrupoO Estado de São Paulo] cedeu veículos aos militares e inclusive comprou armas para se preparar para uma eventual revolta. Nessa mesma fase, os meios de comunicação participam da organização da 'Marcha da Familia, com Deus e pela Liberdade'. Somente um jornal na época, o Última Hora do Samuel Wainer fazia oposição a isso. Um segundo momento é entre 1971 a 1974, quando a mídia começa a se deslocar do golpe, é quando em 1976 começa a censura do regime ao Estadão, através das receitas de bolo e dos poemas de Camões. Eu inclusive trabalhei nessa época para o Estadão, trabalhei pro PIG [Partido da Imprensa Golpista] na época (risos). Nessa mesma fase fui preso quando estava no JB[Jornal do Brasil], que precisou contratar advogados para me soltar. Já o terceiro momento é a fase pós-Lula, onde temos uma oposição direta ao governo, com uma tentativa de golpe em 2006, onde a imprensa começa a agir com o papel político, de partido de oposição. O que a revista Veja faz, por exemplo, não é jornalismo, é criação de fatos políticos que hoje, com esse caso do escândalo do [Carlinhos] Cachoeira, estamos vivendo o auge.

Os jornalistas e o patronato

A mídia privada integra o poder econômico nacional, ela vende um produto que é a informação, mas qualquer informação precisa de um mínimo de credibilidade. Quando a mídia age como partido político, como 'partido do capital', perde essa credibilidade e vai se afastando cada vez mais dos princípios jornalísticos para defender interesse de seus donos. O mais dramático é quando os jornalistas entram nessa onda de achar que a imprensa deve ser intocável e jamais questionada. Todo mundo está sob regulação de seus conselhos, mas só a imprensa não pode ter um órgão regulador. É um absurdo quando os jornalistas assumem a posição do patronato. O Mino Carta [diretor da revista Carta Capital] costuma dizer que esse é aquele profissional que trata os Marinho como se fossem 'colegas' (sic).

Blogs e novas mídias

Isso é um grande dado, veja o caso do livro Privataria Tucana, do Amaury Ribeiro Junior, que sofreu um boicote dos grandes veículos de comunicação, ele estava vendendo igual pão quente em padaria, mas a Veja não o colocava naquele espaço dos mais vendidos, só foi fazer após a pressão de blogs e as redes sociais que começaram a pipocar isso. Esse dado novo vem pra furar esse bloqueio, hoje existem sites, portais, blogs que produzem jornalismo cidadão. Óbvio que é preciso selecionar, pois tem para tudo que é gosto na internet, desde pedofilia até cidadania. Acho que a internet tem alterado a forma de fazer política, está alterando as relações. O grande problema é que acabamos sofrendo da 'síndrome do excesso de informação'.

Caminho da esquerda

As experiências que começaram com a União Soviética acabaram se esgotando, elas tiveram consequências fantásticas para sociedade, mas tiveram erros e precisamos fazer essa leitura. Ela teve a dificuldade de não poder se basear em experiências anteriores, mas serviram para promover os ideais de uma sociedade menos individualista. No início dos anos 90, tivemos uma guinada para o neoliberalismo, que se opunha a isso. Talvez o grande equívoco do projeto socialista foi achar que só existia um modelo único. Existem princípios básicos, é simplismo pensar que tomado o poder, rapidamente o socialismo será implantado, isso traz problemas inclusive para o processo democrático, pois aqueles que não se enquadram são excluídos, promovendo desigualdades sociais. Apesar disso, vimos que o capitalismo não é a solução e que não há perspectiva para esse sistema que tem como objetivo o lucro máximo, o cada um por si.

Luiz Manfredini é jornalista e escritor em Curitiba. Trabalhou em O Estado do Paraná, TV Iguaçu, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e revista IstoÉ, entre outros órgãos de imprensa. É colunista do portal Vermelho, membro do Conselho Editorial da revista Princípios, editada em São Paulo, e coordenador da Fundação Mauricio Grabois.


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