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OlhoBrasilBrasil - UFMG - [Tiago Prata Storni] Este artigo aborda estratégias gerais de inserção partidária em campanhas eleitorais, levando em consideração a dinâmica do voto no território, e tendo em perspectiva a comunicação interpessoal. Discute-se o padrão geográfico brasileiro definido por situação e oposição, e aponta-se para o risco de uma tentadora campanha marqueteira-pragmática, principalmente em contextos de melhor comunicação.


As três dimensões que dão o título a esse artigo são apontados como princípios gerais da Estratégia, descritos por Clausewitz[2]. A Estratégia fixa o ponto no espaço, o tempo propício e a intensidade da força a ser aplicada quando do desenvolvimento da batalha. Até aí, sem grandes surpresas. Clausewitz mesmo afirma que na Estratégia, tudo é muito simples, mas também destaca que nada nela é muito fácil. Nesse texto, busca-se discutir a importância de diferentes estratégias partidárias, associados ao território e ao tempo das campanhas, levando em consideração diferentes contextos sociorregionais do país. Considera-se que a principal cola que une essas três dimensões é a qualidade da comunicação interpessoal. Como consequência, melhorias nessa qualidade em determinadas localidades urbanas, possível pelo maior acesso à educação, uso mais difundido da internet de banda larga e entrada de pobres na classe média leva a uma janela de oportunidade para que forças políticas apresentem uma estratégia diferenciada, mais voltada para a participação e para o debate baseado em argumentos generalizáveis conflitantes, em oposição ao "marketing de margarina", mais televisivo, reprodutor e pouco conflitivo, baseado em imagens e em mensagens curtas.

A geografia política não concebe as relações de poder de forma separada da teia social e das relações humanas que se desenvolvem no território. O territórioé modelado pelos parâmetros dados por uma percepção coletiva.Acultura, que estabelece a originalidade de cada grupo, só pode ser mantida pelas comunicações interpessoais, que reduzem a viscosidade e opacidade naturais do espaço (CLAVAL, 1979). A autoridade atribuída à pessoa, família ou grupo, é legitimada por costumes e limitada por práticas passadas. Para compreender a manutenção ou a ameaçade um poder político, necessita-se identificar os processos sociais que se estruturam no tempo e no espaço.

"A territorialidade é dinâmica, pois os elementos que a constituem são suscetíveis de variações no tempo, onde tudo reside na relação concebida como processo de troca ou de comunicação." (Claude Raffestin, pg. 160)

A mudança das regras do senso comum é determinada pelo movimento de energias sociais (HARVEY,1992).As energias sociais dependem da intensidade da troca de informações e da qualidade dos processos comunicativos. Mais encontros elevam a energia social através da maior revisão de argumentos pelo contato com diferentes pontos de vista, enquanto a qualidade se associa ao grau de aprofundamento da lógica argumentativa, do maior grau de informações disponíveis e da autonomia crítica em relação aos argumentos de outrem.Com a elevação da energia social, maior é a expectativa de reconhecimento por aqueles descontentes ou menos contemplados no status social e daí a perspectiva de elevação do confronto político.

Em países de democracia madura, padrões geográficos eleitorais geralmente são duradouros e consistentes, pois a formação partidária e a origem das identidadescom partidosestiveram diretamente ligadas às clivagens sociais de religião, língua, classes e região. Com o tempo, a adesão partidária tornou-se um atalho cognitivo capaz de produzir alinhamentos próprios, pelo fato dos partidos se firmarem com regras institucionais e por serem agentes de mobilização (LIPSET e ROKKAN, 1967). Contudo, nesses países, o alinhamento automático tem perdido sua força, sendo ampliada a influência dos debates, e as demandasporforças políticas alternativas epor maior participação.Exemplos naEuropa e nos EUA revelam a ligação entre comunicabilidade e a necessidade de uma representação mais efetiva, o que é potencializado pelo contexto de crise econômica.

Nas eleições nacionais do Reino Unido de 2010, os líderes dos principais partidos, Conservador e Liberal, tiveram que enfrentar o crescimento do partido democrata liberal, que contou com o destaque do líderNick Clegg, que se sobressaiu no primeiro debate, atraindo o interesse e contribuindo para ampliar as audiências dos debates[3]. Ao final do pleito, não houve grandes alterações geográficas do voto, mas as mudanças marginais levaram a uma vitória não majoritária dos conservadores, forçando-osa fazer uma coalizão com os democratas liberais, o que não se via em décadas.Destaca-se o formato dos debates, em que perguntas eram lançadas e os líderes tinham liberdade de respondê-las e de serem questionados, dando maior ritmo e espontaneidade aos argumentos.

Na Espanha, os efeitos da crise econômica exaltaram várias minorias, abrindo uma crise de representatividade dos dois principais partidos no país, PP e PSOE.Em maio de 2011, surgiu um movimento apartidário que se difundiu através do twitter e gerou uma mobilização ampla e rápida de insatisfeitos, de maioria jovem. Esse movimento realizou assembleias, manifestações e acampamentos pelo país, e acabou por ser reconhecido nacionalmente, com um alto índice de adesão e participação popular, além de ter algumas demandas reconhecidas[4]. Ainda dessa vez, a geografia do voto foi pouco alterada e o quadro eleitoral resultou como esperado, mas o movimento deu outra tônica à campanha, ampliando o debate e exigindo uma retórica mais profunda dos líderes partidários.

Nas atuais prévias americanas do Partido Republicano, há um intenso e contínuo processo de acompanhamento da campanha pela população, em que os pré-candidatos buscam votos de delegados estaduais para a convenção nacional do partido. Há uma significativa volatilidade entre os pré-candidatos, com uma dinâmica pautada pelos debates.  Destaquefoi dado pelo senador Rick Santorum, que tinha somente 2% das intenções no início de novembro de 2011, mas que chega à liderança em fevereiro de 2012, com 36% das intenções, ficando em segundo lugar à partir de março e conquistando algumas importantes primárias[5]. Santorum se distinguiu inicialmente por uma retórica religiosa e anti-gay,e se diferenciou de Michelle Bachman quando obteve os votos de evangélicos, chegando até a vencer o caucus de Iowa, tradicionalmente conservador. Nos debates seguintes, ele se mostrou muito hábil na troca de argumentos e ampliou a simpatia entre os mais conservadores e simpatizantes do TeaParty. Contudo, o pré-candidato se manteve distante dos eleitores em estados mais moderados,acabando por ser visto com candidato com menos expectativas de vitória sobre o candidato democrata. A geografia americana do voto provavelmente pouco se alterará, com os estados litorâneos mais democratas e continentais mais republicanos, mas o discurso já está sendo alterado, exigindo argumentos mais generalizáveis e com menos oportunidade de obter vantagens sobre posiçõespreconceituosas, que são tentadoras no curto-prazo, mas perigosas para uma campanha tão extensa.

No Brasil, o processo democrático e a industrialização se deram tardiamente.Organizações partidárias não foram originadas de clivagens sociais, mas criadas de cima pra baixo num contexto de acentuadas desigualdades sociais e regionais. As transformações políticas se antecipavam em relação às identidades trabalhistas, religiosas ou de classe.Soares (1967) encontrou que em regiões menos urbanizadas, havia uma correlação negativa entre educação e traços autoritários, concluindo que a falta de continuidade geográfica refletia uma comunicação ineficiente e uma cultura fortemente tradicionalista, com forte ênfase em dimensões particularistas, designativas e religiosas. Apesar das condições sociais dos menos favorecidos representarem necessidades objetivas de mudança e inclinação oposicionista, os traços intelectuais e psicológicos que se associavam à posição periférica de setores dos estratos baixos tenderam, com frequência, a resultar em maior favorecimento do governismo, representado à época pela ARENA (REISet al, 1978).

Há um padrão geográfico-eleitoral que se encontra no país, menos pautado por áreas de influência partidária, e mais por uma lógica situação/oposição. No âmbito do executivo nacional dos anos de 1989, 1994 e 1998, César Jacob et al (2000) encontraram padrões geográficos que se mostraram persistentes, regulares e territorialmente evidentes. Collor (1989) e FHC (1994 e 1998) se mostraram dispersas ao longo do território, com ênfase para as regiões interioranas, marcados pelo apoio de forças conservadoras. No referente às votações de Lula, o bom desempenho do candidato é concentrado persistentemente nas capitais. Os terceiros lugares, Brizola, Enéias e Ciro Gomes, apresentaram altas votações solidamente localizadas e concentradas em áreas urbanas geograficamente distintas. Rojas de Carvalho analisou o legislativo federal de 94 e 98, e encontrou que as votações comconcentração espacial em aglomerações urbanas não se associava a particularismos ou localismos tradicionalistas, mas tendo, ao contrário, um caráter mais ideológico, sendo a forma concentrada a resposta eleitoral apresentado pelos resultados da esquerda opositora, sobretudo na região nordeste, enquanto a fragmentação de votos estaria mais ligada à pouca competitividade entre candidatos em estados de mais baixo desenvolvimento. Em estudos sobre o crescimento do PT, resultados análogos foram encontrados nas executivas municipais de 1996, 2000 e 2004(AVELAR e WALTER, 2008) e no formato das coligações do PT em municipais de 2000 e 2004, tendo coligações com partidos de centro e direita em municípios pequenos e menos urbanizados, e com coligações mais ideológicas nos grandes centros (MIGUEL e MACHADO, 2007).

O padrão petista começou a ser invertido depois da sua mudança tática em 2002 e da sua estabilização na posição de governista.Com o ganho de visibilidade adquirido a partir de sucessivas disputas eleitorais presidenciais, mais fontes de financiamento e uma tática intensiva em propaganda e de tom ideológico mais flexível e personalista, as características do eleitorado de Lula se alteraram significativamente (SINGER, 2009; SAMUELS, 2004). Se em 1989 sua votaçãoera mais elevadaentre as classes sociais mais altas (SINGER, 2000), nos segundos turnos de 2002 e 2006, a escolha em Lula vai alterando de configuração, já não diferenciando a escolaridade em 2002 e mais concentrada entre os de menor escolaridade em 2006[6]. Estaria em marcha o chamado processo de "peemedebização" do PT, descrito pela fragmentação ideológica do partido e uma dependência em relação à imagem carismática de Lula. A tônica da concentração do voto em localidades mais urbanizadas seria dado pelos opositores ao PT, enquanto este teria maior dispersão geográfica.

Storni (2010) descreve o mecanismo da "peemedebização" a partir de determinantes sociorregionais. O crescimento de um partido inovador dependeria de uma estratégia programática, mas que à medida que este ganhasse mais visibilidade nacional, este poderia ser tentado e aplacar uma estratégia mais pragmática e menos conflitiva, principalmente num contexto de descontinuidade territoriais, em que há mais obstáculos à difusão de idéias e comportamentos inovadores. Por vezes a vitória de Lula é atribuída à imagem mais publicitária e marqueteira de político positivo e conciliador. Contudo, o sucesso dessa imagem só foi possível pelo histórico oposicionista e contestador, quando do crescimento do partido de forma voltada para as suas bases. A virada pragmática e o marketing publicitário deram o impulso à vitória, mas não podem ser classificados como asolução para a inserção eleitoral competitiva. Essa virada pragmática é um risco que deve ser calculado estrategicamente, pois pode envolver aperda de simpatizantes de base, de identidade programática e de capacidade de mobilização.Se realizada antes do tempo, o capital político-ideológico perdido não seria compensado pelo capital de governabilidade, dado pela maior visibilidade, uso da máquina, poder de aliança, etc.

O marqueteiro possui uma visão míope do processo, impedindo-o de pensar estrategicamente a inserção de um partido no médio-prazo. Esse personagem possui um currículo que depende estritamente de suas vitórias eleitorais. Contudo, o processo político é bem mais presente na vida das pessoas e possui recall constante, exigindo uma sustentação programática densa e intertemporal.O sucesso do marqueteiro está muito ligado ao domínio que este tinha do apelo publicitário pela televisão, ferramenta que era distante dos políticos profissionais, mais familiarizados com a troca de argumentos com os membros do partido e militantes, e com discursos voltados para os diversos grupos com que tinham contato. Grande vantagem tinham os profissionais publicitários em apelar para um público mais difuso e com pouquíssimos meios de participação política, sendo mais vulneráveis a imagens e a mensagens curtas.Dado a importância desse método, alguns se destacaram em vitórias e têm até realizado campanhas fora do país. Contudo, o excesso de poder de decisão desse ator, forçosamente míope, aumenta riscos estruturais à sobrevivência dos partidos.

Mas se a virada pragmática já tem um alto risco, esta opção pode ser mais arriscada ou mesmo errônea num quadro de melhoria de indicadores sociais que fortaleçam a comunicabilidade social, como no caso brasileiro de algumas regiões. A entrada em massa de cidadãos na classe C e o aumento exponencial da internet, se combinados com a universalização do ensino básico e fundamental de qualidade, levam a menor dependência dos "favores" do Estado e elevação da capacidade crítica, aprofundando as trocas de idéias e as expectativas de reconhecimento pela participação efetiva. Tais características diminuem o poder da televisão de pautar os temas e os posicionamentos políticos. A melhoria da comunicação interpessoal amplia o efeito dos discursos e da participação, exigindo que debates mais livres, espontâneos, argumentativos, ousados e dialéticos.

Nas eleições de 2010, uma vez mais podemos encontrar a geografia do voto de situação/oposição. Destaque pode ser dadoà Marina Silva (PV), que conseguiu crescer no final do primeiro turno, apesar do pouco tempo de propaganda a que tinha direito, mas com suporte de seu sucesso em debates e em redes sociais. Os outros dois candidatos tiveram grande influência dos seus consultores de marketing. Dilma, herdeira do capital político de Lula, conquistou a mesmas regiões em que Lula se sobressaiu em 2006. Devido à herança, Dilma se saiu muito melhor no quesito da continuidade econômica e, via de regra, não se "arriscava" se expondo além da conta ou respondendo de forma espontânea às perguntas "difíceis" da imprensa. Serra, não se diferenciou no tema da economia para não "arriscar"representar uma ameaça às políticas sociais e ao crescimento econômico dos anos anteriores. Ele buscou se diferenciar na política da saúde, em que já tinha um recall de outras campanhas, e tentou explorar a esfera dos valores, pois a principal candidata era desconhecida, e o sentimento de medo poderia ser melhor explorado, o que já ocorria até naturalmente em algumas redes sociais religiosas. As estratégias dos marqueteiros são claras: na situação, procura-se construir a imagem do Céu de Brigadeiro e a necessidade de continuação; na oposição, busca-se um fator exógeno desestabilizador, a bala de prata que possa ameaçar a confiança no céu de brigadeiro sem dar chances de argumentação, o que pode ser dado por escândalos ou por temas religiosos e de fé, que não se discutem.

A sociedade da comunicação está se expandindo. Ainda que opiniões autoritárias e conservadoras estejam em evidência, como reacionismo a mudanças, o politicamente correto, ou juridicamente correto, voltado para a igualdade de reconhecimento, tem tendência a crescer sobre o darwinismo social ou socialização pelo método bullying. Essa configuração repercute no processo democrático, ampliando as oportunidades de participação e de discussão argumentativa. As manchetes sobre atos de extrema direita têm crescido, mas seu crescimento diminui devido à falibilidade dos seus argumentos. Partidos de extrema direita possuem maior tendência a moderar o discurso, seja da xenofobia ou do excessivo liberalismo econômico. Aqueles partidos que procuraram tirar vantagem de pesquisas de opinião reproduzindo essas opiniões, muitas vezes reacionárias, são iludidos e podem adotar uma estratégia perigosa, que não se sustente ao debate. Aqueles que procuram tirar vantagens de pesquisas de opinião para buscar formas de conduzir mudanças por argumentos generalizáveis em lugares e momentos propícios podem entender melhor a dinâmica territorial e garantir um sucesso de médio e longo prazo. Os partidos de esquerda, que já haviam flexibilizado a noção de controle dos meios de produção, mas que andam flertando com a ideia de controlar os principais meios de comunicação também estão sendo iludidos e assumem um risco perigoso ao subestimar a capacidade crítica da população.


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