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060315 ivanColômbia - Resumen Latinoamericano - Carlos Aznárez, da Resumen Latinoamericano, dialogou, em fins de fevereiro, em Havana com o Comandante das FARC-EP, Iván Márquez, que preside a Delegação guerrilheira na Mesa de Negociações com o governo colombiano.


O chefe insurgente deu um amplo panorama sobre o momento pelo qual passam as conversações de paz e insistiu na necessidade de avançar para uma Assembleia Nacional Constituinte.

- Há mais de um ano e meio do início das negociações de paz, qual é o seu balanço sobre o quanto se avançou e o quanto falta para concretizar a estratégia defendida por vocês neste âmbito?

- Creio que avançamos de maneira suficiente. Já temos em nosso poder três acordos parciais: um, sobre terras, outro sobre a participação política, e um referente a um tema muito complexo, o uso de drogas ilícitas. Entretanto, ainda ficaram para uma discussão posterior 28 observações, todas elas de muita importância.

- Você pode nos dar um exemplo destes temas pendentes?

- Está o problema do latifúndio, que o governo colombiano não quis abordar porque, segundo sua argumentação, pensa que uma medida desta natureza poderia despertar de novo os demônios do paramilitarismo. E, também, uma resistência do governo em aceitar uma proposta nossa de colocar um limite à estrangeirização da terra. Outro aspecto fundamental se vincula à exploração mineral-energética e seu impacto socioambiental.

De nossa parte, fazemos todo o possível para que estas pendências não sejam lançadas ao fogo do esquecimento, como parece pretender o governo. Entre os pontos pendentes, está a expansão da democracia para a paz. Nesse sentido, insistimos na necessidade do Estado deixar definitivamente para trás a Doutrina da Segurança Nacional, a concepção do inimigo interno e resolver de uma vez por todas o fenômeno do paramilitarismo. Que ninguém na Colômbia seja perseguido por suas ideias e, muito menos, assassinado. Estes são temas fundamentais para a Colômbia dar passos ao futuro. Além disso, é necessário adiantar reformas estruturais, como a política do sistema eleitoral e uma reclamada por todo o país: a reforma do sistema jurídico, corrupto, totalmente dependente. Nós pensamos que tudo isto é possível através de uma Constituinte.

- É totalmente correto que os avanços detalhados por você tenham sido produzidos, mas também é verdade que no território colombiano não se modificou grande parte do que na Mesa foi acordado. Qual é a opinião das FARC-EP frente a esta realidade?

- Vemos tudo isto como uma grande incoerência entre a retórica do governo e o que ocorre na realidade. Para somar um pouco às dificuldades, paralelamente, o governo está legislando para revisar coisas que foram aprovadas na Mesa.

- Por exemplo?

- Existe um projeto de lei sobre terras improdutivas, que em lugar de proteger os camponeses sem terra, busca proteger o capital financeiro. Concomitantemente, estamos apresentando um protesto enérgico na Mesa, já que não é possível continuar assassinando defensores dos direitos humanos ou revitimizando as vítimas. Isso ocorreu com muitas das pessoas que estiveram em Havana para pedir que façamos todo o possível para assegurar a paz. No entanto, ao voltarem à Colômbia, foram reprimidas, perseguidas, ameaçadas. Por isso, insistimos em pedir coerência e seriedade ao governo, pois quando se fala de paz, estes fatos não podem ser justificados.

- Recentemente, o governo norte-americano confirmou que um de seus homens, Bernard Aronson, atuará como observador (a pedido do governo da Colômbia) no processo de paz em Havana. Qual a opinião das FARC sobre esta incorporação?

- Vemos satisfatoriamente porque, como se sabe, os Estados Unidos têm um peso muito forte no político, no social, no econômico e no militar da realidade colombiana. Eles têm uma participação muito grande no financiamento da guerra, no fornecimento de equipamentos bélicos e tecnologia de ponta às Forças Armadas oficiais.

Parece-nos que os EUA querem agora se afastar um pouco desta situação que os coloca como impulsionadores da guerra e da discórdia, e empreender esforço em ajudar os colombianos a encontrar a reconciliação.

- Sobre a questão do cessar-fogo: quais são, em seu entender, as razões pelas quais o presidente Juan Manuel Santos não cede à proposta feita pelas FARC de instalar um cessar-fogo bilateral?

- Francamente, não está claro esse argumento de que uma trégua seria aproveitada política e militarmente pela guerrilha para se fortalecer. Não tem nenhum pretexto. Além disso, o cessar-fogo, por agora unilateral, cumprido por nós, tem um sentido humano. Pensamos que enquanto estamos dialogando não tem sentido continuar atirando-nos, matando-nos e que é necessário gerar um ambiente propício para as conversações.

Lamentavelmente, não encontramos uma resposta similar por parte do Presidente. Dizemos que aqui o governo está se comportando de uma maneira equivocada e que deveria fazer prevalecer o princípio de favorecimento da população civil, que significa uma suspensão das ações militares. E até dizemos que com esta atitude estão violando os Protocolos de Genebra em sua mais ampla extensão, porque se trata de evitar novas vítimas.

De toda maneira, creio que Santos está começando a se conscientizar, dando instruções a seus generais e oficiais que farão parte da subcomissão técnica de que se ocupará do assunto do cessar-fogo, para buscarem a maneira de chegar rapidamente a esse objetivo.

- Segundo vocês, o Presidente Santos tem total controle sobre as forças militares oficiais ou existem diferenças nessa área?

- É preciso reconhecer que, em geral, se observa a subordinação das Forças Armadas ao Presidente, porém, ao mesmo tempo, existe uma forte influência negativa por parte da extrema direita liderada por Álvaro Uribe Vélez. Imaginamos que esse assunto deveria estar sendo resolvido.

- Qual é sua versão do ocorrido com o general Alzate, que foi detido e depois libertado pelas FARC?

- O general Alzate é o que realmente ocorreu. Acreditamos em sua palavra, de que não esteve realizando coisas “profanas” no rio Atrato. Existe um grupo de novos oficiais que querem atuar um pouco mais favorecendo as comunidades com ações cívico-militares para tentar recuperar a confiança perdida. É lógico que a população desconfia, como o mesmo Alzate reconheceu, e, por isso, se envolveram neste tipo de ações sociais em uma região tão esquecida como é o Chocó, que não tem energia, nem serviço de água, nem de esgoto e, muito menos, estradas.

Em uma dessas saídas que fez de Quibdó, de seu forte militar, é possível que o general tenha se descuidado um pouco de sua segurança e chegou a um local, onde estavam as FARC. Como ele é o chefe de uma força-tarefa que se dedica a perseguir e bombardear a guerrilha, então foi detido e teve que marchar na condição de prisioneiro.

- Por ser quem era e o cargo que ostentava Alzate, a guerrilha não titubeou em nenhum momento em negociar sua libertação, por exemplo, com a troca de presos políticos?

- O governo se movimentou rapidamente para interceder por ele, e recorreu aos países garantidores do processo (Cuba e Noruega). É claro que estamos a total disposição para gerar condições favoráveis ao processo e, por isso, tomamos a decisão de libertar este general, fazendo o governo perceber que existe uma situação bastante reprovável no interior dos cárceres colombianos vivida pelos presos políticos e pelos prisioneiros de guerra. Os mesmos são mantidos em condições desumanas de superlotação e com a violação de seus direitos. Nós queremos que esses casos sejam visibilizados.

- Existe alguma resposta a essas denúncias?

- O governo mete na cabeça a ficção de que não existem presos políticos na Colômbia, porém os cárceres estão cheios de dirigentes populares acusados, a maioria deles, de terrorismo. Na Colômbia, parece que não existe outra acusação diferente para poder enfraquecer a ação e a força do movimento social e político.

- Voltando ao Presidente Santos, ele disse reiteradamente que é necessário concluir as negociações de paz. Quais são os prazos das FARC para esse fim?

- Efetivamente, os prazos estão um pouco esgotados. Porém, não se pode dizer que o processo não avança por nossa causa. Colocamos sobre a Mesa toda uma constelação de propostas sobre o tema agrário, drogas, participação política e vítimas. Estas são propostas mínimas e são concebidas para obter a aproximação das partes, porém ao governo elas parecem revolucionárias e radicais. É claro, muitas delas são mandatos constitucionais e é um dever do governo aplicá-las. Nós queremos que esta situação mude e não se obstrua a possibilidade de formalizar acordos.

- Existe outro tema chave que é o da Justiça, que na voz do governo se refere a que a guerrilha “pague pelos delitos cometidos”. Ou a cantilena de epítetos descarregada pelo uribismo que a acusa de crimes de lesa humanidade.

- O governo não deve confundir o processo de paz em Havana com um processo jurídico. É preciso buscar soluções políticas ao conflito colombiano. Nós desconhecemos o marco jurídico transicional que o governo tenta sacar diante das Cortes e ante mesmo o Congresso da República. Desta maneira, o acordo geral de Havana, que colocou as duas partes em um mesmo plano de igualdade, está sendo violado. Portanto, embarcar nas aventuras de levar adiante um marco jurídico não acordado, não tem possibilidade de sobrevivência. O que o governo faz é semear o expediente jurídico para terminar o processo com os comandantes atrás das grades. Nós dizemos que não viemos a Havana para sermos presos. Viemos buscar soluções políticas, negociadas, ao conflito colombiano. Agora nos dizem que é impossível evitar o superpoder da Corte Penal Internacional. No entanto, essa Corte não conhece a história do conflito colombiano, nem sequer sabe o que são os latino-americanos. Por isso estamos invocando uma doutrina que se chama a “Margem nacional de interpretação”, que prevê isto que estou dizendo.

- O governo insiste que os responsáveis por situações violentas deverão responder por seus atos.

- Claro, nós sabemos que existem responsáveis. Porém, fazer a opinião pública acreditar que a guerrilha é a máxima responsável, é desconhecer que estamos fazendo uso de um direito universal ao levante armado contra regimes injustos e vergonhosos, que somos uma resposta a uma violência que vem do poder, e isso está perfeitamente demonstrado. Acaba de ser entregue à Mesa o informe da Comissão Histórica do Conflito e de suas vítimas, que apresenta uma visão diferente da utilizada pelo Estado. Um relato que repousa no fundo da verdade para resolver tantas desavenças.

Esta questão dos responsáveis máximos também vem sendo tratada na Mesa de negociações. Por exemplo, dizemos aos militares que estão diante de nós, o general Mora Rangel e o general Naranjo, que para as FARC este sistema transcende aos comandos das distintas forças, envolve o Palácio de Nariño, que é onde estão os mandantes, autores por trás do autor. Também são responsáveis os presidentes, os ministros, os partidos políticos da ordem, os latifundiários que se apropriam de terras a sangue e fogo, através do paramilitarismo. Ou os senhores empresários, por exemplo, os banqueiros como Chiquita Brands ou Drummond, que estão financiando grupos paramilitares, ou setores da agroindústria que se apoderaram de terras que pertenciam a camponeses. Sabe-se que na Colômbia existe o deslocamento forçado de camponeses que se aproxima de 6 milhões. Responsáveis são os grandes meios de comunicação, a Igreja, o setor financeiro, envolvido na lavagem de dinheiro proveniente do narcotráfico. Nós dizemos ao governo: persigam estes que são os que promovem a atividade do narcotráfico. Não concentrem a ação punitiva no elo mais fraco da cadeia que são os camponeses pobres e os consumidores.

Nossa responsabilidade não é a mesma daqueles que causaram este confronto de tantos anos. O nosso é um delito político. O problema é que na Colômbia esse delito foi deformado. Agora, dizemos que se realmente querem que haja uma solução através do benefício do indulto ou da anistia, é preciso reverter o crime político a seu estado natural. De que maneira? Incluindo as atuações da guerrilha como produzidas em função da rebelião.

Também nos dizem que para existir um marco de legalidade em torno dos acordos, e que para que ocorra um fim jurídico definitivo, é necessário os chefes guerrilheiros irem para a prisão. Porém, não mencionam os responsáveis do Estado. Onde estão os presidentes? O próprio ex-presidente Cesar Gaviria disse que: “as responsabilidades são coletivas”. Nós vamos mais além e dizemos que o Estado é a máxima instância de culpa. E acrescentamos: para os guerrilheiros, nenhum cárcere!

- Há outro tema muito controverso e que está relacionado com a entrega das armas. Em que momento se discute concretamente esse ponto?

- Nós fizemos uma abordagem que esperamos seja respondida de maneira positiva pela contraparte. Entendemos como entrega das armas, a sua não utilização na política, e isto não só vale para a insurgência, mas, também, para

o Estado, suas Forças Armadas e policiais. Preocupa-nos muito que a utilização das armas por parte do Estado produza vitimizações coletivas, provocando o aniquilamento de alternativas políticas, decapitação de toda uma geração de revolucionários como aconteceu com os dirigentes e militantes da Unión Patriótica [União Patrótica], que sofreu 5000 mortes. Como aconteceu com “A luchar” [A lutar], com a Frente Popular. As armas que foram confiadas ao Exército para que defendesse as fronteiras pátrias, se voltaram contra o povo, provocando assassinatos e milhares de desaparecimentos. Isso sim é grave, e terão que responder. Resumindo: depois de um acordo de paz, as armas devem fazer silêncio. Complementamos: o Exército deve regressar a sua função constitucional de defender as fronteiras.

- Não é fácil imaginar o caminho de uma organização armada para um movimento político aberto. Como estão pensando isso?

- Muitos nos perguntam se nos vemos fazendo política no futuro. E respondemos que sempre fizemos política. Com armas ou sem armas, sempre estamos em função da política porque temos uma visão de país, temos bandeiras e uma plataforma de 12 pontos que apresentamos quando fizemos 50 anos de existência, e estas são as do Movimiento Bolivariano por la Nueva Colombia [Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia].

Por outro lado, sabemos que apenas a assinatura de um Acordo não vai mudar a situação na Colômbia. O que precisamos é gerar uma situação distinta, de tolerância e de democracia verdadeira. Queremos que todo o nosso povo tenha uma vida digna e que a Colômbia abandone esse terceiro e desonroso lugar ganho por seus índices de desigualdade.

- Suponho que não será fácil discutir com o atual governo o tema da política econômica a ser aplicada no futuro.

- O governo diz que a política econômica não está em questão. E nós nos perguntamos: a política neoliberal tem que primar? Não podemos nos colocar em acordo ao pensar outras políticas que beneficiem os colombianos e deem a eles uma vida digna? Isso é o que estamos exigindo: uma mudança profunda de estruturas.

É claro que ainda existe um caminho a percorrer. E voltando ao que você dizia sobre os tempos, digo que tudo depende da decisão do governo. Se eles atenderem as iniciativas e propostas que estamos fazendo, acreditamos que o processo poderia entrar em uma dinâmica que pode conduzir rapidamente a um acordo final. Agora: nós não queremos que misturem eleições com o processo de paz, pois isso prejudicaria este último. Não desejamos isso. E, por isso, insistimos em rediscutir os pontos pendentes para ver se chegamos a um consenso. Se isto não for possível, esperamos que os mesmos sejam discutidos em uma Assembleia Nacional Constituinte.

- Paradoxalmente, os EUA falam de flexibilizar as relações com Cuba, agora se aproximam da Mesa de negociações entre o governo e as FARC e, por outro lado, castigam a Venezuela duramente, ameaçam de mil maneiras o processo revolucionário encabeçado por Nicolás Maduro. Como vocês analisam este panorama de conflito na América Latina?

- Repetidamente é dito que a paz da Colômbia é a paz do continente. Nós também cremos que a paz a ser alcançada, tem que ser projetada para o resto dos países. Talvez estes problemas que acontecem entre a Venezuela e os EUA possam ser resolvidos pela via diplomática e com respeito, abandonando por parte dos EUA a concepção do “quintal”. É preciso permitir que os governos decidam o rumo que deve ser dado ao destino de seus países.

- Lembro que em uma entrevista que fiz há vários anos com Manuel Marulanda, ele afirmou que a luta das FARC era pela tomada do poder e a construção do socialismo. Pergunto: as FARC de hoje, as que vocês representam, continuam pensando da mesma maneira?

- É claro, continuamos pensando da mesma forma. Estamos tentando avançar para um estágio que permita continuar desenvolvendo essa luta em condições melhores. No entanto, nosso propósito é o socialismo. Que ninguém tenha dúvidas disso. Esse é o sistema que vai nos levar à verdadeira democracia, à justiça social, a uma paz estável e duradoura e, sobretudo, à dignidade. Porque o socialismo é Humanidade.

- Você quer acrescentar algo mais aos nossos leitores do continente?

- Parece-me importante saudar os leitores deste importante periódico, Resumen Latinoamericano, que chega a muitas partes do continente com uma mensagem de resistência que deve ser considerada e que nos abastece com argumentos para continuar travando esta luta necessária por um mundo melhor.

A entrevista em vídeos: parte 1 e parte 2.

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB).


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