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paisdegalesGales - NY Times - [Katrin Bennhold] Tradução Diário Liberdade - A Escócia prepara-se para o seu referendo pela independência o dia 18. Com um empate técnico nos inquéritos, tanto ganhe o "sim" como o "não", isso repercutirá não só no futuro político do Reino Unido e das suas nações, senão em todas as nações sem estado da União Europeia.


Twm Morys estava cozendo cenouras para as suas crianças quando parou por um momento para recitar um canto de batalha do S. XV em galês. Marcando as consonantes guturais numa aduela da cozinha até ressoarem em todos os cantos da sua quinta, o senhor Morys, um poeta bem conhecido, disse que estava na hora de pôr um "impulso arrebatador" na sua gente.

Ele não é o único. Nas velhas montanhas que assomam por cima de Caernarfon, uma vila costeira no norte de Gales, onde oito de cada dez pessoas falam a sua língua céltica nativa, e muitas têm nomes que outros britânicos nem se atreveriam a pronunciar, os nacionalistas galeses têm a vista bem posta na independência, na independência escocesa.

Em pouco mais de duas semanas a Escócia celebra um referendo para determinar se abandona o Reino Unido. Gales observa isto com uma mistura de inveja, excitação e ansiedade.

"Se a Escócia votar 'sim', o génio escapou da lâmpada", disse Leanne Wood, líder do partido nacionalista galês Plaid Cymru. Só um de cada dez votantes galeses apoia a independência, comparado com uns quatro de cada dez na Escócia, mas Wood pensa que isto pode mudar: "As placas tectónicas do Reino Unido estão-se a mover", disse.

Os tremores do debate escocês já se podem sentir por toda a Grã-Bretanha. Seja o que for que acontecer no 18 de Setembro, demandas de mais autonomia regional irão remodelar o país. Na Irlanda do Norte, os nacionalistas divisam uma oportunidade para reavivarem o sonho duma Irlanda unida. Cornualha conseguiu recentemente um status de minoria nacional para os seus residentes célticos. Mesmo a sempre esquecida Inglaterra do Norte começa a falar alto, questionando uma cada vez maior concentração de riqueza em Londres e o sudeste.

Mas em Gales, talvez mais do que em nenhum outro sítio, os nacionalistas tomaram como própria a causa da independência escocesa, na esperança de agitar as paixões na casa. Se não para uma independência plena, quando menos para mais auto-governo.

Leanne Wood, que fora expulsa dum debate legislativo por se referir à raínha Isabel II como "a Sra. Windsor", esteve na Escócia duas vezes para apoiar a campanha do "Sim", e pensa ir outra vez. O actor galês de Hollywood, Rhys Ifans, aderiu à campanha #goforitScotland ('Vá enfrente Escócia'). Adam Price, um empresário e proeminente pensador independentista, esteve de campanha na Escócia numa caravana, à moda galesa; "Caravana pela independência", chama-lhe.

Outros, como Twm Morys, reunir-se-ao na capital galesa, Cardiff, a semana prévia ao referendo para uma série de actuações com o objectivo de "agitar algo do entusiasmo galês".

Gales e Escócia têm muito em comum, sem desprezar uma lealdade inabalável para qualquer equipa desportiva que jogar contra a Inglaterra, a sua vizinha outrora poderosa e ainda dominante.

Desde que Margaret Thatcher, a primeiro-ministro conservadora, fechou as suas indústrias pesadas, as eleitoras escocesas e galesas votam mais à esquerda que as inglesas. Há, disse Peter Florence, director do festival literário galês Hay, um sentimento comum de não serem representadas em Westminster.

Mas o País de Gales é mais pequeno e pobre que a Escócia. Não tem petróleo para compensar pelos subsídios de Londres que actualmente sustentam os seus serviços públicos. "Chegamos cem anos tarde", lamenta Florence, em referência à abundância de carvão galês que uma vez impulsionou a revolução industrial britânica. Se ele for escocês, votaria pela independência, "mas nós simplesmente não a podemos custear".

Gerald Holtham, um dos principais economistas galeses, fez os cálculos: o total do gasto do governo [britânico] para Gales é de 30 biliões de libras por ano, e os ingressos por impostos uns 17 biliões. "Falamos dum diferencial de um quarto do tamanho da economia", disse.

Os nacionalistas replicam que Gales pode fugir da pobreza só se tomar o destino nas suas próprias mãos. "Nenhuma nação jamais governou bem sobre outra", disse Price. "Somos pobres porque não somos independentes, não ao contrário". Mas mesmo ele admite que a hora da independência galesa ainda não chegou. Primeiro, comenta "temos que aprender a sermos uma nação outra vez".

Ao contrário da Escócia, cujo Parlamento votou unir-se à Inglaterra há três séculos [embora contra a vontade popular], Gales foi conquistado em 1282. Os escoceses preservaram o seu sistema legal, escolas, universidades, igreja e, com isso tudo, uma forte identidade cívica distinta da Inglaterra. As instituições galesas foram engolidas; o dragão galês, que flutua orgulhoso e omnipresente na rua central de Caernarfon, não aparece em nengures na Union Jack [bandeira do Reino Unido, que combina as bandeiras inglesa e escocesa].

"Fuimos a primeira colónia da Inglaterra", diz Eirian James, proprietária da Palas Print, uma loja de livros local especializada em produtos em galês. Cada vez que visita familiares no sul de Gales, ela tem que apanhar um comboio através da Inglaterra. Até o dia de hoje, a maioria dos transportes vão de oeste a leste, cara à Inglaterra, na vez de seguirem o eixo norte-sul de Gales.

O Conselho de Turismo galês promove orgulhosamente o facto de haver mais castelos por quilómetro quadrado em Gales do que em nenhum outro sítio. Para os locais, esses castelos são mais uma lembrança duma ocupação anterior.

O castelo de Caernarfon, rua acima da Palas Print, foi construído por Eduardo I de Inglaterra, quem matou Llewellyn, o derradeiro príncipe nativo de Gales, e declarou o seu primogénito príncipe de Gales. Essa tradição ainda irrita algumas pessoas galesas. Quando o príncipe Carlos foi investido no castelo de Caernarfon em 1969, militantes tentaram fazer explodir o seu comboio. O poeta local Gerallt Lloyd Owen registou ambos eventos em poemas populares. Quando morreu este verão recolheram-se doações na sua memória, que serão destinadas à campanha do "Sim" escocês.

A poesia pode não ser a primeira escolha como arma política noutros lugares, mas em Gales, casa do Eisteddfod, uma espécide de olimpíada cultural com uma história que se remonta a 1176, os agravos à nação frequentemente encontram saída nos versos. Como Jerry Hunter, catedrático da Universidade de Bangor disse: "Onde senão encontras milhares de pessoas aglomeradas num pavilhão assistindo aos resultados dum concurso de poesia?"

Quando a aldeia de fala galesa de Capel Celyn foi anegada em 1965 para a criação dum depósito de água para Liverpool, Inglaterra (apesar da oposição unânime dos legisladores galeses), apareceram canções e grafites, e deu a Plaid Cymru o seu primeiro grande impulso.

A contenção do declínio da língua galesa – só uma de cada cinco pessoas galesas fala Cymraeg – é o mais grande triunfo do nacionalismo galês, mas também um obstáculo: dividiu um país de uns três milhões de habitantes entre aqueles que o falam, principalmente nas zonas rurais do norte e oeste, e aqueles em áreas urbanas do sul e leste que não. Isto transformou, aos olhos de muitos, a Plaid Cymru num mero grupo de pressão pela defesa da língua.

Muitos ainda resmungam sobre uma conspiração dos falantes de galês – a Taffia, tomando o nome do rio Taff – segurando os melhores empregos, maior influência e pretensões de 'galesicidade'. Mas a hostilidade cara o idioma tem vindo a diminuir, assim como o apetite por mais auto-governo galês cresceu; com um bocado de ajuda da Escócia.

Num referendo em 1979, oito de cada dez votantes galeses estiveram em contra de qualquer tipo de autonomia em relação a Londres. Contudo, em 1997, depois de a Escócia votar a favor de ter o seu próprio Parlamento, uma muito ajustada maioria de galeses seguiram o exemplo e aprovaram a criação duma Assembleia galesa algo mais modesta. Em 2011, dous de cada três desses votantes queriam alargar os poderes legislativos da Assembleia.

"Essa é uma viragem na opinião pública maior que na Escócia em 30 anos", disse Richard Wyn Jones, da Universidade de Cardiff.

Alguns apostan num "sim" escocês para acelerar o processo. Outros dizem que uma apertada vitória do "não" seria um melhor resultado para os galeses: ridicularizado como a "irmã menor e mais feia" da Escócia, Gales poderia ter mais influência com um aliado escocês dentro da união.

Porém, Richard Wyn Jones diz que Gales acabará por ter mais autonomia independentemente do que aconteça na Escócia. "A independência pode parecer improvável neste momento, mas quem em 1979 teria ousado imaginar um auto-governo galês enquanto a Escócia se prepara para um referendo pela independência?"


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