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290814 debateBrasil - Diário Liberdade - [Guilherme de Paula] O primeiro debate entre os presidenciáveis, transmitido no indesejado horário das 22h pela Band na última terça-feira, pode ser considerado o primeiro momento da campanha de Marina Silva como efetiva postulante à cadeira mais desejada da República.


Abastecida pela morte do cabeça de sua chapa, Eduardo Campos, e turbinada pelas pesquisas Datafolha, primeiro, e Ibope, horas antes do embate, que colocaram, numa ascendente vertiginosa, seu nome atrás apenas da atual presidenta, Marina era a protagonista do evento que terminaria somente na madrugada, depois da primeira hora da quarta-feira.

É peculiarmente desastroso que as pesquisas de intenção de voto tenham um peso tão determinante em momentos relevantes como este – e que depois de tantas acusações de corrupção e tantos resultados discrepantes e ilógicos, "corrigidos" no ritmo da campanha por uma narrativa que só pertence ao "método" e nada mais, ainda gozem de tamanho prestígio. Em linhas gerais pelo próprio raciocínio lógico, as checagens tão distantes assim das eleições trazem, em si mesmas, um próprio caráter de impossibilidade de comprovação. São apontamentos imprecisos, ainda que idôneos – e não temos, por falta de uma legislação mais efetiva neste sentido, condições de duvidar da seriedade destas - como fez recentemente, em entrevista, o conhecido político cearense Ciro Gomes, agora no PROS, que afirmou com o tom de suas habituais certezas que parecem comover multidões, que o dono do Ibope, Montenegro, "venderia até a mãe para ganhar dinheiro", que dirá pesquisas de intenção de voto. Marquemos, por ora, esse mal-estar com a narrativa liderada pelas pesquisas de opinião que, sem capacidade de comprovação justamente porque nenhuma eleição será realizada na próxima hora, podem elas mesmas escrever a história – e assim agir sobre ela.

De qualquer maneira, Marina não é, nem jamais poderia ser, tão somente fruto de uma narrativa dos institutos de pesquisa – ainda que os números sejam bastante impressionantes. Ela fez 20 milhões de votos nas últimas eleições presidenciais e, desde então, o contexto político nacional pareceu urrar por seu protagonismo. Inapta de uma leitura da realidade e frágil do ponto de vista operacional, não conseguiu, em momento nenhum, surfar na confusa comoção que junho passado nos trouxe.

Não nos enganemos. A esquerda que se situa fora dos partidos políticos, mais especificamente o MPL em São Paulo, foi o grande responsável pelo início das tais "manifestações de junho". Foi a surra que os partidários do movimento levaram da polícia que propiciou que a rua fosse tomada no dia seguinte e disso, a bandeira não poderia ser outra senão em favor de uma sociabilidade mais democrática, de uma noção de cidade menos caótica. No entanto, como muito rapidamente notou o movimento e seus simpatizantes, aquilo saíra de suas mãos de maneira estranha e perigosa, em diversas direções, tomando formas indesejáveis ao ponto que, em determinado momento, era melhor mesmo que todos voltassem para casa porque nada de bom poderia sair dali. Acredito que o que aconteceu em junho de 2013 ainda não foi totalmente explicado e nem tampouco encerrado, porque demanda compreensões voltadas a cada cenário específico antes de buscar uma lógica "nacional" nisso tudo. Um país com dimensões continentais como este, com uma lógica política tão específica e multifacetada, não pode ser pensado simplesmente com o nexo causal Rio-SP-demais capitais. Até hoje, as análises sobre "Junho" preferiram, a partir de uma argumentação "Nacional", deliberar sobre o que aconteceu nas demais cidades do país. No entanto, o que levou milhares de manifestantes à terceira ponte de Vitória-Vila Velha, no Espírito Santo, tem só um pouco a ver com o que levou os milhões à Alerj, no Rio, ou ao vão do Masp, em São Paulo, ou, ainda, ao teto (!) do Congresso Nacional, em Brasília. Urge ainda a necessidade de um estudo sério que faça esse caminho de baixo pra cima.

Sem saber bem o que foi junho, fica difícil saber bem se Marina, de fato, era a expressão máxima da "juventude que foi à rua no Brasil no ano passado", como se existisse, de fato, uma unidade conceitual que aglutinasse explicação tão pretensiosa. Mas a verdade é que a candidata do PSB/Rede era uma das poucas referências políticas nacionais sem nenhum cargo na época, o que pareceu lhe conferir certa credibilidade. Sustentada por uma surpreendente expressiva votação conquistada após uma campanha estranha, sem bandeiras muito bem definidas a não ser uma vaga noção de "ética", ela se via perdida entre a sua incapacidade de aglutinação política e a fraqueza de um discurso que não dá respostas, apenas tergiversa.

A esquerda, desorganizada, frágil e vazia, patinou na irrelevância. Sua pequenez e sua incapacidade de comoção com o intuito de liderar um movimento de massas foram tão flagrantes que ela recebeu um abraço de onde menos esperava: da presidenta Dilma! Acuada, assustada com os desdobramentos possíveis e estrategicamente astuta, a ex-brizolista, diferente do seu companheiro de partido Haddad, que abraçou constrangedoramente Alckmin numa cena para a eternidade, revogando o aumento dos 20 centavos, escolheu dialogar com o lado mais frágil que ainda estava nas ruas. Veio a público e deu sentido às manifestações, um sentido de certa maneira à esquerda que nem sabemos se de fato tinha. A frágil vitória do ponto de vista ideológico, uma vez que, de certa maneira, as manifestações pontuaram uma nova intensificação em projetos ligados às causas sociais, escancarou uma derrota gigantesca da esquerda: o governo petista, este que traiu a classe que dizia representar em busca da manutenção permanente de poder, optou dar essa sutil vitória a ela porque era, de fato, o inimigo mais inofensivo que estava nas ruas, a Questão Social. A vitória poderia ter sido menos tímida, uma vez que logo de cara, a petista, num arroubo de coragem e inconsequência – que pode ter sido também, de habilidosa chantagem, propôs utilizar o momento para uma nova Constituinte! Talvez por obra de sorte, a ideia não vingou. O horizonte político de 2013 era muito mais conservador do que o de 1988 e a Constituição Brasileira está bem longe de ser o maior problema nacional.

Às vésperas da eleição, junho de 2013 parecia pertencer a um passado remoto. A esquerda bem tentou reviver as manifestações do ano anterior usando outra vez a competição de futebol como ponto de partida. O PT e os governos locais haviam se preparado: tiro, porrada e bomba - silêncio e cadeia. Ninguém veio ajudar. A esquerda outra vez não conseguiu se reunir e restou ao PCO, PSTU e PCB as sombras – nem aos debates têm sido convidados, claro que porque são de esquerda radical e trazem em sua existência ideias que não são bem vindas no horário nobre, mas, também, porque não conseguem, nem somados, chamar alguma atenção na campanha eleitoral. A estratégia de não se organizar politicamente em busca de representação parlamentar cobra um duro preço e beira, quase sempre, a mais pura demagogia. Menos que uma estratégia anti-eleitoral, revela, na verdade, a fraqueza de organização. Em instâncias mais acessíveis como diretórios universitários e representações sindicais, estes partidos, uns mais outros menos, têm mostrado seus vícios, com práticas e manobras por vezes tão asquerosas quanto as praticadas pelo PT, só que em espaços com menos relevância, orçamento e capacidade deliberativa. O PSOL também, mas ao menos trafega em um horizonte com o discurso menos demagogo porque ao menos tem tentado, de alguma maneira, construir uma representação parlamentar que permite pontuar questões com maior fervor no debate político nacional. A qualidade com que faz isso é outro assunto.

Marina, pior ainda. É verdade que o PT agiu com sua habitual astúcia estratégica para impedir a criação da tal "Rede", utilizando todas as ferramentas e influências que um partido que fez de tudo, do mais mesquinho ao mais constrangedor, para dominar a máquina pública na última década, pode ter. Ainda assim, o episódio das assinaturas, somado à irrelevância durante junho, escancarou a fraqueza política que a ex-ambientalista traz em sua existência. Pareceu um golpe final naqueles que acreditavam que Marina poderia ser um grande personagem quando ela topou o cargo de vice na chapa do Eduardo Campos, imperador (expressão que empresto do prof. Da UFPE Michel Zaidan) privatista de Pernambuco, nome basicamente desconhecido da Bahia pra baixo, ao contrário da ex-senadora, popular e respeitada internacionalmente. Era como se ela própria negasse sua relevância – e, se nem ela mesmo fosse capaz de considerá-la presidenciável, quem mais seria?

Como um raio numa manhã santista em que o céu nem estava tão azul, o avião de Eduardo Campos caiu e embaralhou as cartas do jogo eleitoral de 2014, devolvendo a Marina um protagonismo que lhe parecia certo quatro anos antes, mas que depois de tantos erros, só poderia pertencer ao futuro do pretérito. O que deveria ter sido mas não foi agora era. A existência de Marina se tornava, enfim, a maior ameaça ao projeto petista de manutenção de poder, projeto pelo qual ele abandonou toda a sua base social, seu horizonte transformador, sua proposta de classe. Projeto pelo qual ele mesmo virou apenas mais um partido da "velha política", a mesma contra a qual se ergueu no processo de redemocratização brasileira na década de 1980.

Voltemos ao primeiro debate. Com um formato menos engessado que dos últimos pleitos, a Band deu aos candidatos a oportunidade de que estes de fato se enfrentassem, sem o escudo das regras que, em geral, oportunizam fugas estratégicas para debates mais amistosos e menos relevantes com os candidatos "nanicos". Permitindo que o mesmo candidato fosse indagado mais de uma vez no mesmo bloco, o mecanismo permitiu que os protagonistas de fato fossem alvejados por todos os lados. É possível dizer que Aécio, Dilma e Marina foram obrigados a responder perguntas à esquerda e à direita de suas perspectivas e tiveram de bailar uma dança que, em geral, lhe causam calos e pisões, porque os nossos tempos têm exigido dos políticos não uma exata clareza, mas respostas amplas e fugidias.

Marina não teve, portanto, o escudo do seu tempo irrisório de TV. Teve, enfim, de se expor. E revelou, ao mundo, agora pela primeira vez como uma autêntica protagonista e uma presidenciável com "viabilidade eleitoral", qual será a sua maior arma de campanha: a mais desprezível e odiosa demagogia. Marina nada diz, embora siga elaborando frases feitas, algumas dando a impressão de decoradas, outras aparentando um mal sucedido improviso. Perguntada sobre receber o apoio dos banqueiros, aproximou Neca Setúbal, herdeira do Itaú, Guilherme Leal, dono da Natura, e Chico Mendes, líder histórico seringueiro, cunhando uma frágil noção de "elite" que é supraclassista. No mundo de Marina Silva, não existem conflitos de classes, existe disposição e "ética". Vaga como pode, e deve ser, deixa que seus parceiros de campanha sinalizem o seu verdadeiro projeto – mais relevante do que diz Neca Setúbal é o que espalha por aí o neoliberal Eduardo Gianetti, considerado "guru" da candidata. O PT não tem o que fazer para combater esse argumento porque amparou todo o seu governo na ideia de que melhorar a vida da classe trabalhadora é integrá-la ao consumo, numa percepção fundamentada essencialmente na ideia de que o desenvolvimento "nacional" passa por uma melhoria geral na sociedade, um grande pacto nacional que transformaria o Brasil em um "país de classe média", como repetidas vezes Dilma afirmou. É um horizonte distinto, são chaves confusamente diferentes, mas, que se aproximam na ideia permanente de ignorar o conflito de classes em busca de um pacto nacional. Marina é a expressão final e bem acabada, despudorada, do que o PT tem vergonha de ser. Ela perdeu até mesmo a vergonha de defender o meio-ambiente e o capitalismo simultaneamente. No debate, até acenou para os inimigos históricos do agronegócio, sem palavras objetivas, sem ideias muito claras: apenas discurso vago e demagogia.

Neste cenário, restam ao PT e Aécio denunciá-la pela noção da "Gestão", e bater pesado no que tange a sua inexperiência - o que me parece uma estratégia bastante inteligente uma vez que a candidata do PSB/Rede não consegue dizer absolutamente nada que traga alguma substância. É cedo pra saber se terá algum efeito, até porque, há ainda muita coisa pra acontecer até as eleições do primeiro turno e, especialmente, o decisivo embate final. De qualquer maneira, já é possível dizer que tucanos e mais ainda os petistas estão – ou se não estão, deveriam estar – apavorados. Marina ameaça o PT porque este criou um Brasil em que é possível governar para pobres e ricos, onda na qual Marina parece ter muito menos pudor em surfar. E ameaça os tucanos porque, bem, com exceção de São Paulo e outros pequenos contextos específicos, eles estão agonizando. Se o que dizem as pesquisas forem mesmo verdade, parece claro que os votos migraram tão rapidamente de Aécio para Marina porque significavam mais um apoio ao único candidato viável anti-PT do que uma simpatia ao partido de FHC. Não precisa ser brilhante para prever um exponencial aumento de doações para a campanha da acreana nas próximas semanas, e um efeito inversamente proporcional nos bolsos dos tucanos.

Se o acidente de Eduardo Campos, de maneira improvável, marcou definitivamente o início das eleições presidenciais de 2014, o debate da Band da noite desta terça-feira deu o tom e o espectro político que vamos enfrentar nas próximas semanas. O horário eleitoral de televisão ainda tem seu peso, mas ao que nos parece, desempenhará um papel inferior aos dos últimos anos. É um recado que a audiência vem dando ano a ano, e as transformações nos meios de comunicação vinham deixando claro. É uma boa notícia, no final das contas, e seria um castigo dos bravos aos partidos que tudo fizeram por minutinhos a mais na propaganda gratuita. É possível que a investigação da procedência do avião que caiu com Eduardo Campos e os rearranjos de alianças estaduais por parasitar em um partido que não é seu ainda cause constrangimentos e fira Marina, que, até agora, só teve de lidar com olhares simpáticos à tragédia que lhe acometeu – além do óbvio escudo que sua invisibilidade e a sua irrelevância lhe propiciaram nos últimos anos. Agora está no centro das atenções e apanhará mais do que nunca. Vejamos como resistirá.


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