Foto de Nacho (CC by/2.0/)
Foi uma comoção geral. Centenas de veículos da mídia e pessoas nas redes sociais criticaram a decisão do dono da empresa, Martin Shkreli, o qual foi rotulado como imoral e desumano. (Confira: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/09/ate-onde-vai-a-desumanidade-de-um-empresario-da-industria-farmaceutica.html).
Contudo, por que o espanto diante da decisão do jovem especulador em aumentar o valor de venda desse remédio que combate a toxoplasmose e a malária?
Esse é o típico comportamento hipócrita da imprensa corporativa – e muitos jornalistas livres e cidadãos bem intencionados acabam entrando nessa onda de forma ingênua. A indústria farmacêutica mundial é o ramo do capitalismo que gera mais retorno percentual de investimento, mesmo se comparada a setores notadamente parasitários, como os bancos.
Para se ter uma ideia, a gigante Pfizer obteve em 2013 um lucro de 22 bilhões de dólares vendendo medicamentos para fins os mais variados, desde câncer a resfriado. O mais interessante é que para obter tal lucro essa empresa gastou cerca de 11 bilhões de dólares com marketing e custos de venda (confira: http://www.bbc.com/news/business-28212223).
Sabe-se que existe produção de remédios em que a embalagem do produto é mais cara do que a do próprio princípio ativo. E esse ramo da “indústria da saúde” gasta mais com propaganda e com o lobby junto aos médicos e governos do que com a produção propriamente dita dos medicamentos.
Não é preciso raciocinar muito para entender que as corporações farmacêuticas comportam um cartel de preços que são uma verdadeira afronta à sociedade – as descobertas antigas e novas de princípios químicos que podem salvar vidas transformam-se em patentes e têm um único propósito: gerar lucro a qualquer custo.
Nesse sentido, podemos rever as principais leituras dessas notícias que “chocam o mundo”. É interessante como não se critica os preços dos remédios “normais” que circulam nas drogarias. É possível se escandalizar com o aumento de 5000% que o chacal Martin Shkreli deu no remédio Daraprim e não se escandalizar com os preços cobrados em medicamentos que compramos semanalmente nas infindáveis farmácias que nos circundam?
Haveria, então, um “lucro ético”? Ou ainda: haveria um “lucro justo” quando falamos em tratamento de doenças? Porventura há moralidade em se deixar milhões de pessoas condenadas à morte por que não há dinheiro para pagar os medicamentos? É esse tipo de pergunta que devemos fazer.
O lucro que a Turing Pharmaceuticals terá com a venda do Daraprim não se diferencia em nada dos bilhões e bilhões que a Pfizer, a Novartis, a Roche, a Merck, a Johnson & Johnson e tantas outras desse mercado sujo registram todos os anos. As conquistas de inúmeras pesquisas médicas e farmacêuticas estão longe de ser um bem para a humanidade: são, ao invés disso, um ramo de investimento como os demais meios de especulação do capitalismo.
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Júlio Bonatti é historiador e mestre em História e Cultura Política pela Unesp.