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071015 43México - Vermelho - [John Gibler] Passou um ano e ainda não se sabe o destino dos 43 estudantes da Universidade Rural de Ayotzinapa desaparecidos forçadamente em 26 de setembro de 2014 em Iguala, México.


Sabemos agora, sem dúvidas, mais do que sabíamos no ano passado. Sabemos que os ataques da polícia contra os estudantes duraram mais de três horas, e que isso aconteceu em nove lugares diferentes ao redor de Iguala, com a participação de oficiais da polícia municipal, estatal e federal que resultou em seis pessoas assassinadas, 40 feridos – um deles em coma – e 43 desaparecidos.
Sabemos também que o governo acumulou um registro com 115 volumes e acusou 82 pessoas, porém, com base numa investigação feita a partir de três confissões que se contradizem mutuamente.

Um comunicado recente de um grupo independente de especialistas designados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos – conhecido como Giei – descontruiu a conclusão do governo de que criminosos confundiram os estudantes com membros de uma quadrilha rival de traficantes de drogas, enviaram a polícia de Iguala para capturá-los e entregá-los, e logo os levaram a um aterro sanitário numa região isolada, perto de Cocula, e os mataram e incineraram seus corpos em uma pilha de lixo e madeira que ardeu até às 17 horas do dia seguinte.

O especialista em incêndios do Giei, José Torero, um peruano com pós-doutorado na Universidade de Berkeley, chegou à conclusão de que para gerar o calor necessário para incinerar os 43 corpos no aterro sanitário de Cocula, o fogo precisaria ser abastecido por 30 mil quilos de madeira, 60 horas para queimar e haveria se propagado tanto que teria queimado todo o aterro e o bosque que tem na região, criando uma cortina de fumaça no ar de 300 metros e radiando tanto calor que qualquer pessoa que tivesse se aproximado para jogar mais lenha no fogo – como dizem que fizeram os que confessaram – teria sido carbonizada e ficado irreconhecível.

Viajei ao aterro de Cocula várias vezes durante o ano passado. Duas vezes conversei com os funcionários municipais do local. Os homens que trabalharam no sábado, 27 de setembro do ano passado, me disseram que foram ao aterro por volta de 13 horas, quando o fogo dos assassinos deveria estar ardendo, e depositaram o lixo no local sem incidentes. Não havia fogo, não havia nada, disseram e a área estava toda úmida pela chuva do dia anterior.

Marcela Turati publicou na revista Proceso em outubro de 2014 que o aterro estava sendo usado depois do dia 26 de setembro, os trabalhadores me disseram que os agentes federais foram às suas casas, os levaram à Cidade do México e ameaçaram encaminhá-los para a prisão de segurança máxima se não “deixassem de dizer mentiras”. Um dos trabalhadores contou que justificou para os agentes federais que não sabia nem ler nem escrever, por isso foi obrigado a colocar suas digitais em “incontáveis folhas de papel”.

A conclusão do Giei foi que os 43 estudantes não foram incinerados no aterro sanitário de Cocula em 27 de setembro de 2014, não só pela análise forense, mas também pelos testemunhos oculares (isso para não dizer nas centenas de moradores da região que não se lembram de ter visto cortinas de fumaça nesta época do ano). No entanto, o governo insiste em manter a teoria de Cocula, e omite as evidências, como a mais recente: uma falsa afirmação do procurador-geral Arely Gómez, de que os restos mortais de um segundo estudante haviam sido identificados.

Esta insistência com a tese do aterro sanitário tem desviado a atenção das declarações, testemunhos e provas documentais do estado de Guerrero e a participação da polícia federal mexicana nos ataques contra os estudantes. Durante o último ano entrevistei mais de 30 sobreviventes do ataque em Iguala. Várias testemunhas identificaram os agentes estatais e federais que participaram dos ataques em quatro lugares distintos num período de várias horas.

O informe do Giei confirmou estes testemunhos, entretanto essa confirmação tem sido amplamente rebatida pelo debate sobre o aterro sanitário. O comunicado vai mais além e cita testemunhos da ficha dos oficiais de inteligência militar vestidos de civis que disseram aos funcionários estatais que eles observaram os ataques dos lugares onde supostamente desapareceram os 43. Apenas estas afirmações evidenciam a participação do Estado e da polícia federal e minam a tese de que delinquentes confundiram os estudantes com uma quadrilha rival.

O comunicado do Giei também revelou falhas importantes na investigação do governo: cenas do crime que nunca foram analisadas, suspeitos que provavelmente foram torturados, testemunhas oculares essenciais que nunca foram entrevistadas, imagens de câmaras de segurança de um dos lugares citados que foram recuperadas e destruídas por um funcionário identificado, a roupa que foi encontrada na cena do crime e nunca analisada e, talvez, o mais surpreendente de tudo: falta um ônibus.

Durante meses, tanto o governo mexicano como a imprensa informaram que a policia atacou os estudantes a bordo de quatro ônibus. Isso é incorreto: nesta noite os estudantes viajaram a bordo de cinco ônibus. Este fato tem uma importância fundamental, em primeiro lugar porque a polícia capturou os 43 estudantes que desapareceram dos ônibus (não apenas de um, como se informou inicialmente) em dois lugares distintos de Iguala.

Em um destes lugares – sob um viaduto, justo em frente à delegacia dos fiscais de Iguala, estado de Guerrero – várias testemunhas identificaram os policiais federais que participaram das desaparições.

A localização do ônibus em que a polícia os levou é visível através da câmara de segurança cujo material de arquivo desta noite especificamente foi, misteriosamente, recuperado e destruído. O informe do Giei também revelou que o outro ônibus, o que eles chamam de ‘quinto ônibus’, localizado a uns cem metros de distância do viaduto, está desaparecido.

Quando os especialistas pediram para ver este ônibus foram conduzidos a outro completamente distinto, preparado para parecer que havia sido atacado. O problema, entretanto, é que esse ônibus em particular não foi atacado: a polícia federal, apontado suas armas, confrontou os estudantes que se abaixaram no veículo e escaparam entre as colinas da redondeza. Quando o Giei provou que este ônibus não era o que estavam procurando, os funcionários federais não puderam “fazer aparecer” o agora famoso quinto ônibus.

Esta notória ausência, tanto na ficha oficial, quanto na vida real, levou o Giei a propor um possível motivo para explicar a complexidade dos ataques e do uso desproporcional de violência contra os estudantes esta noite: homens jovens de sandálias e camisetas e de algumas das regiões mais pobres do México haviam acionado sem querer um ônibus que transportava um carregamento importante de heroína para os Estados Unidos.

Se esta hipótese fosse comprovada, seria uma acusação séria, tanto contra o México como contra os Estados Unidos na chamada guerra contra as drogas. Aqui teríamos um caso que demonstraria o quanto uma carga importante de drogas está em situação de risco. A quem chamam para salvá-la? Ao Estado. Não apenas os “corruptos policiais locais”, mas também os estaduais e federais, todos agindo de forma coordenada e sob observação da inteligência militar. Isto daria um novo sentido ao constante canto dos manifestantes por Ayotzinapa: foi o Estado.

*John Gibler é autor do livro México invicto: Crônicas de poder e revolta


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