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asesinados hondurasHonduras - Adital - 46 camponeses organizados de Bajo Aguán foram assassinados desde o golpe de Estado por querer recuperar terras que lhes pertenciam, por Majo Siscar, de Periodismo Humano, traduzido por Adital.


No dia 11 de abril, Doninely "Adonis" López ia em sua motocicleta ao assentamento de palma de Confianza, terras recuperadas pelos camponeses de Aguán, em Colón, perto do caribe hondurenho, quando seis balas de arma de grosso calibre arrebataram sua vida. Tinha 46 anos e, juntamente com seus companheiros, estava negociando com o governo e com os latifundiários que cultivam a palma a legalização das terras. Apesar do diálogo contínuo, ele é 46º camponês assassinado na região desde o golpe de Estado, em 28 de junho de 2009, e um dos 200 assassinados por questões políticas em Honduras, após golpe.

Na região do Rio Aguán, há duas décadas um conflito agrário entre os camponeses sem terra -que reivindicam seu direito ao trabalho, à terra e a uma vida digna- e os latifundiários produtores de azeite de palma, que concentram a maior parte das terras da região desde que, em 1990, o governo hondurenho decretou a Lei de Modernização Agrícola para impulsionar a extensão do monocultivo e a concentração da terra à custa de expropriações e do desconhecimento dos pequenos proprietários que vinte anos antes haviam levado para povoar essa região praticamente desabitada com uma reforma agrária que prometia terra e uma vida digna a camponeses pobres de todo o país, o segundo mais pauperizado da América Latina depois do Haiti.

Nos anos 70, fomentou-se a criação de cooperativas de trabalho e foram facilitados empréstimos para a plantação de palma na região. Limitou-se a concentração de terras para evitar os latifúndios e o Estado atuou como mediador. Com a ofensiva neoliberal dos 90, os grandes empresários René Morales e Miguel Facussé –um dos homens mais poderosos de Honduras e instigador do golpe de Estado, em 2009- ficaram com o controle majoritário da região e estenderam sua produção de palma, apoiados por organismos internacionais que promovem esse cultivo para produzir agrocombustível e por tratar-se de cobertura arborizada que gera bônus de carbono. Com essa concentração das fazendas, os camponeses não somente perderam sua soberania alimentar, mas a produção foi racionalizada, perdeu-se mão de obra e baixaram os salários dos jornaleiros.

Os agricultores, que haviam perdido terras e os assalariados começaram a organizar-se em diferentes agrupações. Em 1998, começaram a realizar as primeiras ações organizadas: bloqueios de estradas, mobilizações e tomas de terra. Essas empresas associativas, tais como a Camarones, onde trabalhava Adonis López, tomam alguns hectares dos latifundiários e se assentam nelas para poder trabalhá-las e exigir seu reconhecimento ao Estado.

O governo de Manuel Zelaya (2006-2009) os reconheceu e emitiu um decreto para assegurar um mínimo de terra a cada camponês. Porém, com o golpe de Estado, a nova lei foi anulada e toda negociação parou; e em meio à ditadura, os camponeses organizados radicalizaram a toma de terras em ambas margens do Rio Aguán. Desde então, a repressão caiu com força sobre eles. Os latifundiários aumentaram a segurança com sicários pagos. A partir dessa data, se pode contar 46 homicídios, sem que se tenha feito justiça. A resposta governamental tem sido militarizar a zona, com a Operação Xatruch. No entanto, a presença de soldados nas estradas e nas próprias comunidades não diminuiu a repressão; pelo contrário. Os camponeses acusam aos "chepos" (soldados) de estar de acordo com os guardas de segurança de Facussé e de Morales.

"Adonis foi assassinado sem piedade, como já fizeram com muitos outros companheiros. Estão tentando pressionar-nos para que aceitemos assinar um acordo com o governo que nos asfixiará economicamente para, dessa forma, nos tirarem as terras por segunda vez. Vivemos aterrorizados e de nada serviu militarizar a região, porque os assassinos continuam a agir e nenhum dos delitos cometidos foi esclarecido; nem os responsáveis foram castigados", declarou Vitalino Álvarez, porta voz do Movimento Unificado Campesino de Aguán –uma das quatro organizações camponesas da zona- à Secretaria Internacional de Trabalhadores da Alimentação, Sirel.

O massacre de El Tumbador

A violência dos latifundiários não tem limites. Os camponeses sabem disso desde o dia 15 de novembro de 2010. Aquela madrugada foi a última em que Guadalupe Gallardo se levantou para fazer o café da manhã para seu marido. Com seu facão, suas 'tortillas' e feijões bem acondicionados, Raúl Castillo saiu às cinco da manhã com um grupo de homens jornaleiros de sua comunidade para colher a fruta da palma da fazenda El Tumbador, de 450 hectares, que, segundo os lavradores, lhes pertence. Após dois meses de estar lá dia e noite, Facussé havia dito que estava bem, que poderiam ficar e que veriam como seria a negociação. Desmontaram as barracas que haviam levantado e regressaram à comunidade. Porém, tinham que trabalhar a terra. E na segunda-feira, 15 de novembro, às 6 da manhã, cerca de 200 guardas de Facussé cercaram as camionetas na qual viajavam os camponeses e começaram a disparar. Os lavradores tentaram fugir. Estavam desarmados. O tiroteio e a perseguição duraram três horas. O último dos cadáveres foi encontrado a um quilômetro e meio do lugar.

"Era como uma guerra; disparavam com armas de alto calibre, que somente o exército possui. A polícia está confabulada com Facussé. Com suas armas nos dizem quem manda", conta Rubén Ortiz Pineda, um dos sobreviventes. Outro, Francisco Ramírez, perdeu o sorriso nesse dia. Quando recebeu o balaço, impulsivamente virou a cabeça para a esquerda e o projétil saiu deixando um buraco no lado esquerdo do lábio. Pensou que ia morrer; porém, quando percebeu que não, buscou refúgio. Um de seus companheiros o recolheu na camioneta junto com outro ferido na perna. Passou quatro meses hospitalizado; porém, agora já está ao lado de sua esposa e de sua filha de 12 anos. Guadalupe Gallardo não pode evitar as lágrimas ao recordar o massacre que matou seu marido. Junto ao corpo de Raúl foi colocado um fuzil AK-47. A foto com quatro cadáveres de camponeses fortemente armados deu a volta ao país. Alguns meios de comunicação, do lado dos latifundiários, disseram que os camponeses do Aguán eram guerrilheiros, financiados pela Venezuela e pelas Farc. Não foi feita nenhuma investigação. Até hoje suas famílias esperam justiça.

"De onde saíram essas armas? Eles não portavam armas, somente seus facões", diz María Concepción Membreño, viúva de Teodoro Acosta. "Os próprios guardas as puseram lá após matá-los, para tirar sua foto armados e para que o povo inteiro dissesse que os camponeses têm armas", continua Guadalupe Gallardo.

Após a matança, Miguel Facussé lhes ofereceu dinheiro para compensar a perda e para que ficassem caladas. "Dissemos que não, que não queríamos seu dinheiro sujo. Nada devolverá a vida de nossos companheiros. Queremos justiça! Mas não fazem nenhuma investigação; não há respostas; não sabemos se os culpados serão castigados... Assim acontece em nosso país; não creio que se faça justiça, mas gostaria que Facussé soubesse que valemos tanto quanto ele. Ele pode fazer o que quiser porque tem dinheiro... E nós, o que nos resta?", pergunta-se, indignada, Guadalupe.

A raiva e a dor dessas mulheres somam-se às dificuldades econômicas que padecem. Guadalupe Gallardo sai para trabalhar às 4:30 da madrugada em uma cooperativa de fruta de palma. Caminha mais de 5 quilômetros entre o palmeiral, juntando as frutas que caíram no solo quando os cachos foram cortados. São recolhidas em sacos de até 50 quilos, pelo que pagam 25 lempiras (menos de 1 euro). Se não há muita colheita, em um mês pode ganhar uma 1.000 lempiras (40 euros). Se vai bem, pode chegar a 90 euros, que apenas dão para que ela e seu filho de oito anos sobrevivam. Mais difícil é a situação de Concepción Membreño. Seu filho caçula tinha dez dias de nascido naquele fatídico dia 15 de novembro. Tem outros sete filhos; o mais velho com 16 anos. Logo após o massacre, adoeceu dos nervos e não podia cuidar deles. Agora, passa por uma situação de penúria. "Há dias que comemos somente uma vez", relata com um fio de voz que desafia as lágrimas. E sua tragédia é somente uma amostra daquela vivida por cerca de 6.500 famílias.

Periodicamente, acontecem assassinatos particulares, atropelamentos; são fustigados, recebem ameaças, são presos.

Ante as denúncias dos camponeses, o governo decidiu militarizar a zona com a Operação Xatruch, que está em sua terceira fase. Assim, as barreiras militares se multiplicam pela estrada e pelos acessos às terras. Em Guadalupe Carney, um batalhão militar mantém um acampamento há mais de um ano. No entanto, há uns meses, mataram a um camponês nessa mesma comunidade. A Promotoria emitiu ordem de captura contra 90 camponeses por ocupação de terras e outros delitos. Um deles está preso há quatro anos, José Isabel Morales, de Guadalupe Carney. "Peço ao Estado que devolva meu filho, processado inocentemente. É acusado de ser violador, ladrão e de incendiar umas terras. Há quatro anos está preso e sem sentença", explica Ramona López. Morales, junto a outros 31 comunitários de Guadalupe Carney, como Francisco Ramírez, é acusado falsamente de ter roubado um caminhão de frutas de um latifundiário em uma das colheitas de frutas de suas terras, já legalizadas sob o governo de Zelaya.

Negociar com o governo

Mesmo assim, os camponeses do Aguán continuam em conversações com o governo. "Condenamos a insegurança em que estamos vivendo e o desinteresse do Estado em dar uma resposta a essa problemática. Nos matam para tentar amedrontar-nos e amolecer-nos. Fizeram isso há pouco tempo com o companheiro Matías Valle e agora com "Adonis" López", assevera Vitalino Álvarez.

Em 2010, o governo de Porfirio Lobo acordou outorgar 11 mil hectares de terras para uma população de 6.500 famílias camponesas. Finalmente, somente foram outorgados 3.000 hectares, cada uma ao preço de 135.000 lempiras (uns 7 mil dólares), com juros de 14%, por um prazo de 15 anos. Desde então, foram acontecendo as Mesas de Diálogo, sem muito êxito. Enquanto que para cada família seriam outorgados menos de dois hectares de palma, Miguel Facussé ostenta 17 mil hectares.

"Os movimentos camponeses sentam-se com o governo porque sua estratégia tem sido manter um processo de negociação permanente. No entanto, os diferentes acordos assinados nesses três anos não resolvem o problema. Estamos na terceira fase do processo de militarização. O que nos espera aqui é uma arremetida dos latifundiários, utilizando o exército, a polícia e seus próprios paramilitares contra o exército", explica Wilfredo Paz, do Observatório Permanente de Direitos Humanos de Aguán. Esse defensor de direitos humanos tem recebido ameaças de morte diretas em seu telefone; tentaram atropelá-lo, foi detido, tal qual com outros camponeses. Estar espreitados diariamente mina o ânimo. "Antes que matassem meu marido, eu não tinha medo; nenhum temor. Agora, sim, tenho medo quando saio à comunidade. Me dá medo por meu filho, quando vai á escola ou quando vai para a casa de sua avó do outro lado da estrada. Os carros dos guardas de segurança têm atropelado crianças", conta Guadalupe; mas diz que não deixaria o Aguán. "Queremos nossas terras livres para trabalhar tranquilos. Quero que quando meu filho cresça tenha onde trabalhar tranquilo. Seguirei lutando pelo que meu marido tanto amava", conclui.

Além da propriedade legal da terra, o campesinato de Bajo Aguán exige uma reforma agrária integral que não só lhes assegure a terra, mas que os apoie a implementar cooperativas de processamento da fruta da palma, para serem autônomos. "Temos a colheita; porém, não temos a fábrica para convertê-la em azeite; mesmo que tenhamos a terra, não podemos trabalhar. Necessitamos de uma lei agrária nacional", reivindica Juan Galindo, um dos dirigentes camponeses locais. No momento, apesar de ser reprimidos pelos latifundiários dependem deles para o cultivo da palma. Os próprios camponeses que cultivam as terras compram os fertilizantes de Morales ou de Facussé e acabam vendendo a um dos dois a colheita, porque estes são os donos das processadoras de palma na zona. Dessa maneira, os mesmos que assassinam são os que definem os preços de venda do fruto e fazem o negócio. "Nós estamos brigando com alguns latifundiários e sempre estamos trabalhando com eles porque nós, como pobres, não temos os recursos para desenvolver-nos em todo o processo de produção. Teríamos que ter uma processadora de manteiga e azeite; porém, agora é a única forma que temos para trabalhar. Eles estão contra nós e nós continuamos a servi-los", conta Ramírez enquanto descarrega a compra anual do fertilizante que acabam de adquirir na empresa de René Morales, pelo qual empenharam a venda de sua colheita de quase todo o ano.

A palma em tua dispensa

A fruta da palma é uma espécie de tâmara mais arredondada da qual se retira o azeite, o segundo azeite mais consumido no mundo. Talvez não o tenhas em tua dispensa como tal; porém, está presente em muitos produtos derivados, desde margarinas e bolos, até pasta de dentes ou sabão que usamos; velas, tintas, detergente ou creme para sapatos. Devido ao seu baixo preço, seu uso é versátil; mas não é um alimento muito saudável. Quase a metade dos ácidos graxos do azeite de coco e da palma é saturada. Um consumo contínuo pode aumentar o colesterol e, em longo prazo, contribuir para o aparecimento de enfermidades, como a arteriosclerose. Por outro lado, como também pode servir para biocombustível, sua demanda cresceu e o cultivo da palma está se estendendo por países tropicais, mesmo à custa do desmatamento de bosques e de selvas originárias.

Para os defensores de direitos humanos, o conflito no Aguán se insere no marco da continuidade do golpe de Estado. "Estamos em crise de direitos humanos; há um Estado colapsado que engaveta os casos premeditadamente. Somente no regime de Porfirio Lobo (desde 27 de janeiro de 2010), temos 15 desaparecimentos forçados, mais de 200 pessoas assassinadas por razões políticas em todo o país. Continua havendo perseguição política e exilados, os incêndios recentes fazem parte de uma estratégia de atemorização... É lamentável, porém, em Honduras, não há democracia", resume Dina Meza, do Comitê de Familiares de Desaparecidos de Honduras. Para essa ativista, desde o golpe de Estado há um processo de reforma do país, e a repressão é o método para consegui-la. "O golpe não terminará enquanto não aconteça uma nova Assembleia Constituinte que não seja para os ricos do país", conclui.aguan1


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