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230914 RuasColon1Panamá - Opera Mundi - [Fabíola Ortiz] Edifícios em ruínas e desemprego de cerca de 30% dão a tônica em município vizinho ao Canal do Panamá.


A 80 quilômetros da Cidade do Panamá, a pequena cidade de Colón tornou-se famosa por acolher a zona livre de comércio das Américas, a segunda maior zona franca do mundo, perdendo apenas para Hong Kong. Situada na boca do Canal do Panamá, por onde circulam diariamente dezenas de navios mercantes, Colón ganhou destaque a partir da década de 1950 com a instalação do entreposto mundial de comércio livre de impostos.

Dentro dos limites da zona franca, com seus 450 hectares e 2.500 empresas instaladas, 250 mil compradores, empresários e turistas fazem negócios e movimentam 30 bilhões de dólares todos os anos. Os principais mercados são os países da Américas do Sul, Central e do Norte.

Em meio à liberdade fiscal e uma economia dolarizada que permitiu a construção de arranha-céus como o Trump Ocean Club, de 70 andares, do magnata Donal Trump, o Panamá celebra o centenário de seu Canal. A obra gigantesca foi capaz de criar um atalho para a Ásia, encurtando as distâncias entre o Ocidente e o Extremo Oriente. Inaugurado em 15 de agosto de 1914, os 80 km que separam o Atlântico do Pacífico se tornaram motivo de orgulho nacional para os panamenhos. Contudo, o país vive às voltas com suas contradições sociais.

Bem perto dali, do outro lado do país, Colón sofre com o abandono: edifícios carcomidos e decadentes são os sinais mais evidentes de uma cidade imersa na pobreza. Colón vive à margem de todo o progresso do país.  Quase 40% da população de 90 mil habitantes vivem na extrema miséria e mais de um terço não tem acesso à água encanada. O índice de desemprego também é de 30%, agravado ainda mais no caso dos jovens. Muitos colonenses dedicam suas vidas a trabalhos temporários ou de mão de obra braçal com pouca qualificação e salários baixos.

O caminho para a free zone

Para chegar a Colón é preciso enveredar pelo Corredor Norte ou a via Transístmica. A viagem leva cerca de uma hora em ônibus que saem a cada meia hora do terminal rodoviário Albrook, na Cidade do Panamá. De fabricação brasileira, os ônibus que levam diariamente centenas de panamenhos à cidade da zona franca – muitos vão apenas trabalhar na chamada free zone e regressam à noite – são antigos e com péssima manutenção. O preço da passagem é de menos de três dólares ou três balboas, a moeda local.

Era uma segunda-feira, no início da tarde, quando Reinaldo Williams, de 84 anos, distraía-se com o movimento no Parque Centenário, um comprido passeio público em Colón com canteiros, árvores e bancos de praça. 

“Antes eu trabalhava em um barco petroleiro”, contou Williams ao falar de suas lembranças no período em que costumava cruzar com frequência o Canal do Panamá. “Hoje, ver o canal é um orgulho para o Panamá. Antes o canal era dos gringos, agora é nosso. Tudo aqui era dos gringos. Mas muita gente queria que os norte-americanos ficassem”, admite Williams.

A presença norte-americana é muito forte ainda no imaginário do Panamá. Em 1977, os Tratados Torrijos-Carter – em homenagem aos signatários Jimmy Carter e Omar Torrijos – garantiram a transição da gestão do Canal para as mãos dos panamenhos. A saída completa dos norte-americanos do país e a transferência na sua administração foi concluída em 1999.

Williams afirma que a vida em Colón já fora mais animada e próspera. “Antes era melhor com os gringos, eles pagavam melhor pelos serviços”, disse. Hoje aposentado, Williams recebe uma pensão de 240 dólares a cada dois meses. Ele tem quatro filhos e dois netos. Dois de seus filhos trabalham na zona livre de comércio e de lá garantem seu sustento.

“Me gusta vivir aquí en Colón”, afirma ao apontar de um lado para o outro da cidade. O município inteiro se limita a 16 ruas. “Posso caminhar pela cidade ida e volta”. No entanto, Williams reconhece que a cidade precisa ser revitalizada. “Tem que arrumar a cidade, há muitas casas aqui que estão condenadas, ficaram abandonadas. Tem que mudar tudo”, destacou.

“Aquí no está muy bien”

Com muita dificuldade para caminhar, Joyce Wallace, de 76 anos, passa dias inteiros no banco da praça em frente ao mercado municipal de alimentos em Colón. Sentada ao lado de uma amiga num dos bancos do Parque Centenário, Joyce reclama que “aquí no está muy bien”, quando perguntada sobre a vida em Colón.

“A vida tá difícil, a situação mudou muito, antes era alegre e não faltava comida”, balbuciou. “Às vezes volto para casa e vou dormir sem ter o que comer. Para tapear a fome, tomo um copo de água para encher a pança. Não tem nada para comer aqui”, lamentou. Joyce é viúva e tem dois filhos. Seu marido trabalhava no cais do porto Cristóbal, um dos três portos situados na saída do Canal. 

Ao lado de Joyce, sua amiga Perline Mezon, de 86, complementa: “Hoje tem muita matança aqui, muita morte e violência. A cidade também precisa de manutenção”.  Perline Mezon é da República Dominicana e se mudou para Colón ainda jovem para casar-se com um colonense. 

Ao caminhar pelos corredores estreitos do mercado municipal de alimentos em meio a um calor extenuante, uma figura se sobressai. De pais jamaicanos, Alexander Bailey, 66 anos, se apresenta como um autêntico cidadão de Colón. Óculos escuros, chapéu estilo panamá, barbicha e um caminhar que, segundo seus moradores, só um colonense tem. Seu inglês é perfeito e seus familiares jamaicanos vieram ao Panamá para ajudar nas obras de construção do canal.

A obra empregou entre muitos estrangeiros, como jamaicanos e dominicanos. Ao longo de 39 anos, Bailey trabalhou no cais do porto. “A vida com os gringos era melhor, não faltava trabalho. Sem contar que os gringos pagavam mais. Hoje em dia o que mais tem é jovem desempregado. O principal problema aqui hoje são os ladrões, a bandidagem é grande”, reclamou.


Cenário desolador

A famosa rua conhecida como Avenida del Frente, atualmente Rua 8, costumava ser a principal via comercial, pois estava localizada bem em frente à entrada da chamada zona do canal, uma faixa de propriedade norte-americana em pleno território panamenho. A zona do canal se estendia da área portuária de Colón, abrangendo a boca do canal pelo lado Atlântico, até o seu outro extremo no Pacífico, correspondendo a 1.300 quilômetros quadrados. Lá vivia uma população de cerca de 10 mil norte-americanos civis, mas o país chegou a receber até 70 mil soldados nas bases que os EUA mantinham.

As atividades comerciais na Avenida del Frente se desenvolveram para atender a demanda dos cidadãos norte-americanos em solo panamenho. Hoje, a Rua 8 apresenta um cenário completamente degradante e desolador. Edifícios caindo aos pedaços, construções inteiras rachadas e prestes a desmoronar. De dentro de fendas e rachaduras de edificações absolutamente carcomidas, olhos curiosos à espreita se projetam atraídos pela curiosidade de um novo visitante. Não é comum estrangeiros serem vistos por aquela área. Em geral, muitos turistas passam margeando a cidade rumo às compras na zona livre sem nem mesmo ter qualquer tipo de contato com colonenses nas ruas, a sua maioria de afrodescendentes.

“A chance de você ser assaltada em Colón é altíssima”, confessou à repórter uma das estudantes do campus da Universidade do Panamá em Colón. A reportagem conversou com moradores e pedestres e ouviu relatos de que famílias inteiras são capazes de viver nos escombros de prédios.

Colón, um  “puerto libre”

Em julho, o recém eleito presidente do Panamá, Juan Carlos Varela, declarou que pretende integrar  a cidade de Colón à zona livre e torná-la toda um “puerto libre”. Em seu primeiro ato de governo, Varela fez um anúncio oficial comprometendo-se com a intenção de renovar a cidade neste primeiro ano de mandato. O projeto, contudo, ainda está em fase de estudo.

Segundo a imprensa panamenha, a zona franca de Colón tem atravessado uma forte queda em suas vendas. Em maio representou um declínio de mais de 17% em relação ao mesmo mês em 2013. Sem contar as demissões que, entre os meses de janeiro e maio, atingiu 1.700 postos de trabalho. Essa onda de declínio em muito se deve à crise econômica vivida, especialmente, por parte da Venezuela, um grande sócio comercial da zona livre.

O recente anúncio de que o governo deverá investir cerca de 500 mil dólares para revitalizar a área da cidade e restaurar os edifícios do centro antigo, conhecido como “casco viejo”, traz um suspiro de esperança para seus moradores.

Perguntado sobre o futuro da cidade na costa do Atlântico, o diretor do Centro Regional Universitário de Colón, o historiador José Vicente Young, defende a necessidade de se pensar na implementação do puerto libre e integrar toda a zona franca à pequena cidade de 16 ruas. “É preciso mudar a aparência da cidade para receber os cruzeiros que aportam, além de fomentar atividades de empreendimento e hotelaria”, afirmou a Opera Mundi. 

A parte antiga da cidade tem uma expressão caribenha em termos de estilo e arquitetura que, na opinião de Young, merece ser resgatado e preservado. O historiador compara ainda a pobreza às favelas nos grandes centros urbanos brasileiros. “O Parque Centenário perto do mercado municipal está localizado em frente aos bairros mais pobres, às favelas. Aqui a lei do ordenamento público não é cumprida”.

Young analisa que os pontos críticos que merecem atenção em Colón são especialmente o tema urbanístico e de saneamento. “Há um déficit importante de distribuição de água, falta levar água potável para todos os moradores. A drenagem também merece atenção, pois Colón está abaixo do nível do mar e, quando coincide a maré alta com a chuva, a cidade inteira fica debaixo d’água. Quanto à marginalidade, há uma parcela da população urbana que não tem acesso ao mercado laboral formal”, argumenta.

A cidade vive inteiramente à sombra da zona livre, fornecendo metade dos 30 mil funcionários locais. “Se a zona livre quebrar, Colón se tornará uma cidade fantasma. Temos que preservar a galinha dos ovos de ouro”, analisa Young. 


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