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bauenArgentina - Carta Maior - [Nicolas Tamasauksas e Vanessa Moreira Sígolo] O Hotel Bauen, uma das mais importantes experiências de empresa recuperada pelos trabalhadores e autogestão da Argentina e referência latino-americana e internacional, corre riscos e provoca mobilização de militantes, organizações de esquerda e pesquisadores de vários países.


 Erguido em 1978, no auge da ditadura militar argentina e localizado no centro de Buenos Aires, o empreendimento é gerido de forma coletiva por um grupo de 130 cooperados. Foi ocupado em 2003 e lentamente “colocado em pé”, operando hoje com 200 quartos e a classificação de quatro estrelas. No entanto, decisão judicial que vence no fim de abril ameaça a experiência: a juíza Paula Hualde deu prazo de 30 dias para que os trabalhadores desocupem o grande edifício, situado em área valorizada, entre as avenidas Callao e Corrientes.

“A desocupação do Bauen é um tema muito complexo e pode provocar uma repressão de grande escala em pleno centro de Buenos Aires. Os trabalhadores decidiram então resistir e convocar outras forças sociais e políticas com o objetivo de pressionar para que o Estado intervenha e encontre uma saída política para a questão”, disse o pesquisador Andres Ruggeri, do programa Facultad Abierta, da Universidade de Buenos Aires (UBA), que organiza estudos, debates e intercâmbios entre trabalhadores de empresas recuperadas.

A mobilização para o caso do Bauen vem gerando listas de apoio e iniciativas de organizações que atuam pela autogestão e pela recuperação de empresas pelos trabalhadores na América Latina e na Europa, com a divulgação de atos e manifestos nos próximos dias 15 e 16 de abril.

O caso do Bauen, destaca Ruggeri, é emblemático, expressa que empresas recuperadas pelos trabalhadores afetam o nó principal das relações de produção capitalistas - a propriedade. Desde a sua ocupação, tornou-se um ponto de encontro e referência de movimentos sociais e políticos, pois o hotel autogerido mantém aberto seu espaço “para as lutas operárias, congressos de trabalhadores, eventos acadêmicos e culturais”, segundo Ruggeri.

Ao longo da história do Bauen, seus trabalhadores resistiram a várias tentativas de despejo. Estabelecendo uma cronologia da construção e recuperação do hotel, Ruggeri explica que a ordem de despejo original havia sido dada em 2007, mas a cooperativa recorreu em todas as instâncias, até que a Suprema Corte argentina deu ganho à empresa Mercoteles S/A, da família Iurcovich, que ergueu o Bauen em estreita relação com a plutocracia civil-militar que comandava o país durante a ditadura.

O Bauen foi concluído em 1978 visando a Copa do Mundo. O empreendimento se valeu de empréstimos do regime militar e a família Iurcovich teria recebido o equivalente a US$ 37 milhões, valor que não foi restituído até hoje aos cofres do Banco de la Nacion Argentina. A outorga dos empréstimos à família que tenta recuperar o prédio sem nunca ter pago o dinheiro recebido do governo se deu com o suporte da então autarquia Mundial 78, que gerenciou obras e recursos para a infraestrutura da competição.

O caso do hotel ganha portanto outra dimensão: além do seu significado para a luta pela autogestão dos trabalhadores também representa um exemplo importante da simbiose entre grandes grupos econômicos e o Estado. Em ano de Copa do Mundo no Brasil, pode chamar ainda mais atenção.

“Durante muito tempo na Argentina os grandes grupos econômicos fizeram negócios às custas do Estado, o que foi especialmente observado na ditadura militar, e o Bauen não foi o único caso”, disse o pesquisador. Mesmo agora, em meio ao kirchnerismo, que coloca em prática uma agenda diferente – demonstrada por exemplo pela reestatização de algumas empresas públicas e pelo enfrentamento ao grupo de mídia Clarin –, o financiamento de grandes grupos econômicos pelo Estado tem prevalecido. Como ressalta Ruggeri: em última instância a defesa da propriedade frente ao trabalho.

No contexto atual, segundo o programa Facultad Abierta, da Universidade de Buenos Aires, 311 empresas recuperadas por trabalhadores existentes na Argentina, com 13,5 mil trabalhadores, demonstram na prática a sua viabilidade econômica e função social, apesar das dificuldades e da precariedade legal, a mobilização pelo Bauen luta por uma nova história. Mas na agenda pública de fomento à produção industrial para a geração de trabalho, os grandes empreendimentos capitalistas seguem privilegiados.


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