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VENEZUELAVenezuela - Carta Maior - [Victor Leonardo de Araujo] Diferentemente do que sugerem muitos analistas, o governo Maduro não terá que promover ajuste fiscal recessivo, simplesmente porque suas finanças públicas são, de modo geral, saudáveis. Mas isso não significa que não existam problemas a solucionar no curto prazo.


A morte de Hugo Chávez e a eleição de Nicolás Maduro para a presidência da Venezuela trouxeram à agenda do debate latino-americano alguns aspectos da sua economia, particularmente os avanços conquistados, os entraves existentes e os desafios que são colocados ao novo governo. Sem a pretensão de esgotar o assunto, é conveniente fazer alguns breves comentários sobre a situação econômica venezuelana para que o leitor tenha uma idéia mais precisa sobre os desafios que estão postos.

É sabido que a economia venezuelana é pouco diversificada e ainda dependente da produção e da exportação do petróleo. A diversificação de sua economia certamente constitui o maior desafio para o governo Maduro. Entretanto, é importante que se diga que este esforço já está em curso. Em 2012 o petróleo respondia por pouco mais de 10% do PIB venezuelano, segundo o seu banco central. De fato, trata-se de uma concentração grande em um único produto, o que em parte caracteriza dependência, mas já foi pior: eram 19% em 2000. Em pouco mais de uma década, a Venezuela vivenciou um movimento de diversificação sem precedentes, especialmente se considerarmos as enormes dificuldades do biênio 2002-2003 (tentativa de golpe e greve dos petroleiros), o cenário de alta sem precedentes da cotação dos preços do petróleo nos mercados internacionais, e a crise financeira internacional iniciada em 2008. A diversificação, no entanto, não foi no sentido de elevar a participação da indústria no PIB, mas de elevar a participação de outros segmentos, como os de comunicações, que no mesmo período passaram de 2,6% para 6,6% do PIB; os serviços comunitários (de 4,5% para 6% do PIB) e os serviços ofertados pelo governo central (10,6% para 12,2%). Diferentemente de outras economias latino-americanas, que no passado utilizavam os recursos gerados pelo setor primário para financiar o processo de industrialização sem preocupação com a redução da desigualdade, o governo venezuelano optou por utilizar os recursos do petróleo para promover os avanços sociais. Qualquer crítica à estratégia posta em marcha pelo governo venezuelano deve levar em consideração que os requisitos técnicos necessários à promoção da industrialização no século XXI são muito diferentes do que os de 50 anos atrás, quando diversas economias latino-americanas promoveram suas "substituições de importações".

É sob este cenário de tentativa de diversificação que a Venezuela registrou taxa média de crescimento anual do PIB de 4,8%, contra 2,9% da América Latina. O período já engloba o biênio de 2008-9, que coincide com a crise econômica financeira internacional que provocou redução abrupta do preço do petróleo e retração econômica dos principais mercados consumidores do petróleo venezuelano. O senso comum atribui este ciclo de crescimento ao cenário internacional, especialmente à expansão dos preços do petróleo. A desagregação do crescimento do PIB venezuelano, contudo, revela que foi a demanda doméstica quem respondeu pela maior parte deste resultado: entre 2005 e 2010 (último dado do PIB desagregado disponibilizado pela Cepal, Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), os gastos privados cresceram 8,2% ao ano; os gastos do governo cresceram 6,3% a.a., e o investimento cresceu 11,3%; já as exportações registraram queda de 5,9% a.a., em parte contrabalançadas pela queda das importações de ordem de 11% a.a.

A principal forma em que se manifesta a dependência do petróleo é no setor externo. Segundo a Cepal, 97% da pauta exportadora venezuelana é composta por produtos primários, sendo o petróleo o principal deles. As oscilações dos preços internacionais deste produto impactam o saldo comercial venezuelano. Contudo, trata-se de uma commodity de alta elasticidade-renda da demanda, o que coloca a Venezuela em uma condição diferenciada quando comparada aos seus pares latino-americanos: o país é estruturalmente superavitário em transações correntes, e por isso não depende dos fluxos internacionais de capitais nas formas de empréstimos, investimentos diretos e em portfólio. A Venezuela não vive sob a ameaça constante de uma crise cambial, e por isso não está submetida às chantagens impostas pelo mercado financeiro, que impõe a todos os seus vizinhos a difícil escolha entre políticas monetária e fiscal ditas austeras versus escassez de divisas e toda a sorte de dificuldades econômicas que isto lhes impõe.

O fato de não estar submetida às imposições do mercado não significa que a Venezuela conduza suas políticas domésticas com irresponsabilidade. Segundo os dados da Cepal, entre 2002 e 2007 a Venezuela registrou superávit primário fiscal, alguns bastante elevados, como nos anos de 2005 e 2006 (4,5% do PIB). Em 2009 passou a registrar déficit primário de ordem de 3,7% do PIB, em decorrência da queda da arrecadação oriunda da recessão ocasionada pela crise financeira internacional. Contudo, o déficit tem caído e alcançou 1,3% do PIB em 2012. A boa saúde fiscal de que goza o país não impediu que os gastos públicos sociais atingissem 12,5% no biênio 2005-6 (último dado disponibilizado pela Cepal). Não é preciso dizer que os indicadores sociais alcançados pela Venezuela avançaram significativamente durante os últimos 15 anos. Em 1997, 48% dos venezuelanos viviam abaixo da linha de pobreza; em 2006 eram 30%. Na América Latina, a proporção caiu de 43% para 36% no mesmo período – ou seja, a pobreza caiu mais na Venezuela que na média latino-americana.

Diferentemente do que sugerem muitos analistas, o governo Maduro não terá que promover ajuste fiscal recessivo, simplesmente porque suas finanças públicas são, de modo geral, saudáveis.

Isso não significa que não existam problemas a solucionar no curto prazo. A inflação é um deles. Os índices de preços venezuelanos são muito correlacionados com a taxa de câmbio. O país ainda importa uma parcela bastante grande dos alimentos que consome, de modo que os aumentos dos preços internacionais dos alimentos tendem a ser repassados aos consumidores. Os meses em que ocorrem desvalorização cambial tendem a reforçar esta tendência. O problema, em última instância, remete ao desafio maior: seguir promovendo a diversificação da estrutura produtiva, agora em outra direção: a produção de alimentos e de manufaturados. Isso tudo, é claro, sem deixar de promover os avanços na área social.

Victor Leonardo de Araujo é economista brasileiro.


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