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211014 colombia1Colômbia - Le Monde Diplomatique - [Hernando Calvo Ospina] A única realidade é que as condições objetivas que levaram à criação dessas guerrilhas – questões sociais, econômicas, políticas, além de políticas de repressão – intensificaram-se. Washington decide hoje mais do que nunca sobre a vida dos colombianos, sem deixar de alimentar a guerra.


No dia 9 de abril de 1948, em Bogotá, delegações de diversos países preparavam o nascimento da Organização dos Estados Americanos (OEA). Nesse dia, foi assassinado Jorge Eliecer Gaitán. Apesar de máximo dirigente do Partido Liberal, em seus comícios pedia que liberais e conservadores se unissem contra os líderes políticos da oligarquia, que lhes faziam oposição e empobreciam o cenário político.

Para sugerir quem havia encomendado o assassinato, expulsaram a delegação diplomática soviética da Colômbia. Quase ninguém acreditava nisso, porém o episódio se tornou o primeiro ato político mundial da chamada Guerra Fria.

Apesar de o fato ter mudado a história do país, o nomes dos responsáveis intelectuais permanecem desconhecidos, ainda que até hoje se desconfie da oligarquia bipartidarista. E até hoje Washington se nega a desclassificar a informação que possui sobre o assunto.

A partir do assassinato de Gaitán, a violência existente multiplicou-se, principalmente no campo. Disseminada pelo governo conservador e pelo clero, a crueldade mais extrema recaiu sobre liberais e comunistas: mulheres grávidas sofriam abortos compulsórios para “eliminar a semente inimiga”; homens tinham a cabeça cortada e exibida em estacas ou usada como bola de futebol.1 Nascia a selvageria contra a oposição, prática ainda vigente.

A alternativa era resistir ou perecer, então os liberais se organizaram em guerrilhas, com o aval de seus altos dirigentes. Em novembro de 1949, o Partido Comunista, clandestino, chamou as massas para a autodefesa. Imediatamente, o presidente Mariano Ospina Pérez entregou às Forças Armadas os ministérios do Governo, da Justiça e da Guerra. Assim, os militares, neutros até aquele momento, foram lançados ao violento cenário político.

Nesse contexto, o governo aceitou participar do primeiro confronto militar da Guerra Fria. Entre maio de 1951 e outubro de 1954, a Colômbia foi o único país latino-americano a enviar tropas à Coreia. O pretexto era o combate ao comunismo. Como retribuição, em abril de 1952, foi assinado o Pacto de Assistência Militar (PAM), o primeiro do gênero no continente. Armamentos modernos começaram a chegar ao país, e o número de bolsistas em escolas de guerra nos Estados Unidos aumentou, processo que ocorria desde 1949.2

No início de 1952, estreou-se o armamento em uma operação militar inaudita contra os liberais na região do Llano, esse imenso mar de terra plana que faz fronteira com a Venezuela. A polícia disseminou o terror com métodos paramilitares, razão pela qual passou a ser chamada “Gestapo criola”.

A operação fracassou, e o governo tentou uma negociação. Os habitantes da região aceitaram, mas em troca pediram terras, saúde e educação gratuitas. Vieram a negativa e o recrudescimento da repressão. Essas petições davam-se no âmbito da confrontação partidarista. Até a direção liberal, que vivia tranquila em Bogotá, começou a esquivar-se: “O governo dizia que lutava contra bandidos, saqueadores, malfeitores. E o liberalismo oficial dizia que não confundissem o autêntico liberalismo com esses malandros”.3

As elites bipartidaristas viram a ameaça aumentar quando os guerrilheiros começaram a se articular nacionalmente. Então, encontraram uma solução: no dia 13 de junho de 1953, entregaram Gustavo Rojas Pinilla ao poder. O general José Joaquín Matallana explicou o ocorrido: “O povo estava se unindo contra o governo, a guerrilha crescia cada vez mais, e os partidos políticos tradicionais entenderam que o caos estava se instalando na Colômbia. Do ódio liberal conservador, passávamos ao verdadeiro problema da luta de classes. Aí surgiu a alternativa militar”.4 Até o povo, desesperado com o crescimento da violência, viu com bons olhos essa mediação militar.

Paradoxalmente, Rojas Pinilla oferecia aos insurgentes aquilo que não dava aos civis: “paz, justiça, liberdade”. O desejo de reconciliação fez mais de 4 mil guerrilheiros das pradarias entregar as armas, entre julho e setembro de 1953. Em todo o país, foram 7 mil. No entanto, pouco depois seus chefes começaram a ser assassinados pelas mãos de “desconhecidos”.

As guerrilhas camponesas do sudoeste do país, lideradas por comunistas e liberais gaitanistas – portanto mais politizadas –, aceitaram a proposta de pacificação, mas exigiram diálogos para discutir reformas socioeconômicas básicas. Sem isso, não entregariam as armas. Responderam com mais militarização e paramilitares. Os camponeses reativaram a autodefesa.

Paralelamente, em 1955, foi criada a Escola de Lanceiros em Bogotá, primeiro centro contrainsurgente da América Latina. Os instrutores vieram do Forte Benning, centro norte-americano especializado em guerra irregular.

No dia 10 de maio de 1957, Rojas Pinilla renunciou: os empresários obrigaram os trabalhadores a realizar uma greve nacional para pressionar sua saída. As direções liberal e conservadora já tinham firmado um acordo chamado “Frente Nacional”: a cada quatro anos, a partir de 1958 e durante dezesseis anos, elas se alternariam no poder. Os que fomentaram a violência sangrenta ressurgiram como civilistas, autores do retorno à democracia. Os meios de comunicação estenderam o manto da amnésia que os anistiou: entre 1948 e 1958, período conhecido como “Época da violência”, foram assassinados cerca de 300 mil colombianos e outros 200 mil foram expulsos das melhores terras. Todos pobres.

O ministro da Guerra do primeiro governo da Frente Nacional, o general Alberto Ruiz Novoa, deixou claro: “Sabemos que não foram as Forças Armadas que disseram aos camponeses para assassinar homens, mulheres e crianças para acabar com as sementes de seus adversários políticos, e sim os representantes e senadores, os políticos colombianos”.5 Esses responsáveis nunca foram a julgamento.

Um fato externo sacudiu a Colômbia e todo o hemisfério: sem o apoio de Moscou ou Pequim, no dia 1o de janeiro de 1959 triunfou a Revolução Cubana. O “inimigo” estava no mesmo pátio, portanto a função dos exércitos latino-americanos devia passar de “defesa do hemisfério” a “segurança interna”. Era preciso evitar novas Cubas.

Para isso, o governo de John F. Kennedy impôs a Doutrina de Segurança Nacional (DSN), que englobava toda uma variante de metodologias contrainsurgentes para acabar com o “inimigo interno”. Este já era um velho conhecido na Colômbia. Em outubro de 1928, ditou-se a Lei de Defesa Nacional para impedir a “onda impetuosa e demolidora das ideias revolucionárias e desestabilizadoras da Rússia dos sovietes”.6 Assim se explicou a razão das greves operárias contra as petroleiras norte-americanas e o nascimento do Partido Socialista Revolucionário, primeira organização de esquerda do país. Nesse mesmo ano, utilizou-se pela primeira vez a palavra “subversão” contra uma greve de trabalhadores bananeiros.

Como se tratava de uma questão de segurança nacional, pouco a pouco o poder político foi sendo transferido, direta ou indiretamente, para os exércitos latino-americanos. Portanto necessitavam de treinamento militar e político diferenciado, o que começou a se dar de forma sistemática e ampla no início de 1962 na Escola das Américas, centro de doutrina norte-americano instalado na zona do Canal do Panamá. Os militares colombianos eram os mais numerosos.7

No início da década de 1970, as autodefesas camponesas do sudoeste do país, agora lideradas pelo Partido Comunista, persistiam em resistir. Como parte da DSN, pela primeira vez no continente aplicou-se a Ação Cívico-Militar (ACM), assessorada por uma equipe que viajou do Forte Bragg até lá, em fevereiro de 1962. A ideia era apresentar policiais e militares como entes de utilidade social, que trabalhavam ao lado do povo. Ganhar corações e mentes do comunismo era uma das estratégias da ACM. A outra era coletar informação de inteligência. Por sua dinâmica, a ACM permitiu às Forças Armadas fazer parte dos ministérios da Agricultura, Infraestrutura, Saúde e Educação.

Ainda em 1962, com o amparo das leis criadas sob estado de sítio, entregaram às Forças Armadas todos os problemas considerados de “ordem pública”, o que incluía qualquer tipo de protesto social. A política de instaurar um Estado militarizado travestido de democracia continuava, sem ditaduras que abalassem essa imagem.

Em 27 de maio de 1964, empreendeu-se uma grande ação militar contra os camponeses “bandidos” do sudoeste do país: a Operação Marquetalia. A ACM já havia feito sua parte. Com outro método contrainsurgente, pôs-se em prática a guerra psicológica. Nas rádios de todo o país, veiculavam-se notícias que geravam pânico e raiva contra “aqueles que estavam criando repúblicas independentes”. Encabeçados por veteranos da Coreia e formados pelas escolas de Lanceiros e das Américas, 16 mil soldados cercaram uma extensa região. Contavam com assessoria norte-americana e seu poderoso armamento. Toda essa demonstração de força, acompanhada pela histeria da desinformação, foi mobilizada para agredir um grupo de apenas 52 homens e três mulheres mal armados.

Jaime Guaracas, um dos camponeses defensores da região, contou: “Nenhum de nós tinha experiência militar. Nem sabíamos que tipo de exército enfrentaríamos. Havia dois reservistas, mas desconheciam técnicas e estratégias de combate”.8 O grupo precisou adotar rapidamente a guerra de guerrilha: pequenas unidades em movimento permanente que evitavam o confronto e cuja melhor arma era o ataque-surpresa.

Assim nasceu, nesse dia de maio, a organização que anos depois se chamaria Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

No dia 4 de julho, enquanto a Operação Marquetalia se intensificava, dezoito homens organizavam outra guerrilha no nordeste do país. Era um dos “efeitos” da Revolução Cubana. Em 1962, o governo da ilha tinha concedido bolsas de estudo a 27 jovens. “Sete desses adquiriram formação ideológica e militar. Retornaram ao país para criar o Exército de Libertação Nacional (ELN). O ELN não atuava da mesma forma que as autodefesas camponesas, dedicadas a defender uma região”,9 e isso ficou claro quando a nova organização ocupou o povoado de Simacota e anunciou que sua luta seria pela tomada do poder.

O ELN tentou escapar do embate ideológico sino-soviético em que estava inserida quase a totalidade da esquerda no mundo. Houve disputa no interior do Partido Comunista colombiano, e alguns de seus quadros romperam com o grupo original para criar o Partido Comunista da Colômbia Marxista-Leninista (pró-chineses ou maoistas), em 1964. Três anos depois, formaram o Exército Popular de Libertação (EPL), também com a pretensão de tomar o poder (e, portanto, afastado das questões de autodefesa camponesa).

Passaram-se cinquenta anos desde a formação dessas organizações revolucionárias que hoje estão presentes por todo o país, em particular as Farc e o ELN. Ao iniciar a Operação Marquetalia, o presidente Guillermo Valencia assegurou o que todos os seus sucessores, sem exceção, repetiriam: “Muito antes de terminar meu governo, o país estará totalmente pacificado”.10

A única realidade é que as condições objetivas que levaram à criação dessas guerrilhas – questões sociais, econômicas, políticas, além de políticas de repressão – intensificaram-se. Washington decide hoje mais do que nunca sobre a vida dos colombianos, sem deixar de alimentar a guerra.

E o inverossímil: no dia 2 de setembro de 1958, camponeses guerrilheiros, liberais e comunistas escreveram uma carta ao presidente Alberto Lleras Camargo: “A luta armada não nos interessa e estamos dispostos a colaborar por todas as vias ao nosso alcance com o processo de pacificação que este governo está levando adiante”. Entre os que assinaram a carta, estava Manuel Marulanda Vélez, que depois seria o chefe máximo das Farc. 

Notas:

1 Germán Guzmán Campos, Orlando Fals Borda e Eduardo Umaña Luna, La violencia en Colombia. Estudio de un proceso social [A violência na Colômbia. Estudo de um processo social], v.1, Círculo de Lectores, Bogotá, 1988.

2 Elsa Blair Trujillo, Las Fuerzas Armadas. Una mirada civil [As Forças Armadas. Um olhar civil], Cinep, Bogotá, 1993.

3 Eduardo Franco Isaza, Las guerrillas del Llano[As guerrilhas do Llano], Círculo de Lectores, Bogotá, 1986.

4 José Joaquín Matallana, Olga Behar: las guerras de la paz [Olga Behar: as guerras da paz], Planeta, Bogotá, 1985.

5 Citado por James Henderson, Cuando Colombia se desangró [Quando a Colômbia sangrou], Áncora Editores, Bogotá, 1984.

6 Ignacio Rengifo, Memorias del Ministerio de Guerra[Memórias do Ministério da Guerra], 1927. Citado por Renán Vega Cantor, Colombia entre la democracia y el imperio[Colômbia entre a democracia e o império], Editorial El Búho, Bogotá, 1989.

7 De 1949 a 1996, formaram-se cerca de 10 mil oficiais e suboficiais nos centros de guerra irregular norte-americanos.

8 Entrevista do autor com Jaime Guaracas, um dos fundadores das Farc, em março de 2009.

9 Entrevista do autor com Ramiro Vargas, membro do Comando Central do ELN, em setembro de 1998.
10  El Tiempo, Bogotá, 8 maio 1964.

Ilustração: Reuters/Enrique De La Osa.

Hernando Calvo Ospina é jornalista.


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