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"O povo de Caimanes se sente desesperado porque nem as autoridades nem o governo se pronunciam em nosso apoio"Chile - Opera Mundi - [Victor Farinelli] Causada por construção de barragem, escassez em Caimanes traz riscos à população e expõe privatização da água iniciada nos tempos de Pinochet.


O último 22 de outubro foi um dia histórico para a comunidade chilena de Caimanes, pertencente à cidade de Los Vilos, a pouco mais de 300 quilômetros ao norte de Santiago. Nesse dia, a Corte Suprema, principal instância do Poder Judiciário no país, decidiu que a barragem El Mauro colocava em risco a sobrevivência dos pouco mais de 2 mil habitantes da localidade, cerceando acesso das pessoas à água potável.

A barragem começou a ser construída em 2003, pela mineradora privada Los Pelambres, de propriedade das Empresas Luksic, um dos grupos econômicos mais poderosos do país. A obra cortou o fluxo normal do Rio Choapa, que abastecia a região de Caimanes. Depois de sete anos de batalhas judiciais, o pequeno vilarejo conseguiu uma vitória épica, embora não definitiva.

A Corte Suprema julgou procedente a denúncia e obrigou a mineradora a tomar medidas urgentes de proteção para garantir o abastecimento dos moradores, mas esta ainda não é uma decisão final. No processo, a comunidade pretende declarar a barragem ilegal e o restabelecer o curso natural do rio. A mineradora, por sua vez, diz que tem um prazo de cinco meses para tornar efetivas as medidas solicitadas pelo tribunal.

Enquanto isso, a população segue em condições precárias desde que a água parou de chegar. Famílias que viviam da agricultura familiar hoje são obrigadas a subsistir com uma pequena ajuda financeira do governo entregue desde 2013, e passaram a viver de buscar mantimentos no centro de Los Vilos e em outras regiões vizinhas, o que permite que a cidade não desapareça do mapa.

Juana Cárdenas, uma das porta-vozes do Comitê de Ação pela Resistência de Caimanes, conta que já sabe quais serão as medidas que a mineradora vai tomar, porque já foram implantadas outras vezes. "Vão direcionar à cidade uma quantidade um pouco maior de água da barragem para a comunidade, que ainda assim será escassa, mas vão dizer que é suficiente", reclama ela aOpera Mundi.

Qualidade da água

Além disso, os moradores também questionam o tratamento da água da barragem que é enviada a Caimanes. A empresa Los Pelambres garante que elimina todos os resíduos tóxicos e entrega água potável aos moradores, mas a versão se contradiz com o que dizem os moradores. "A água da barragem chega diferente em cada torneira. Em algumas chega meio amarela, em outras meio verde, às vezes chega com gosto, e até com cheiro", conta Juana Cárdenas, garantindo que os problemas de saúde na comunidade aumentaram devido ao consumo dessa água.

Cárdenas diz que a comunidade sofre também com os estragos que a água vem causando à terra e às plantações. "Trouxemos técnicos agrônomos de Santiago para analisar a situação e eles encontraram arsênico e outros químicos na terra, que só podem ter vindo da água", afirma ela, que assegura que o laudo com essa informação está no processo que a comunidade move contra a empresa.

Riscos: "Tsunami tóxico"

Outro estudo técnico incluído no processo analisou a estrutura da barragem e a considerou pouco consistente e insuficiente para enfrentar, por exemplo, sismos de maior magnitude — considerando que o Chile é um dos países do mundo de maior atividade telúrica.

O estudo foi questionado pelos advogados da mineradora Los Pelambres, mas é visto pelo Comitê de Resistência como outro risco iminente ao qual a comunidade está sujeita. Cristián Flores, outro líder comunitário de Caimanes diz que "é inútil tentar criticar o estudo porque ele traz fotos de rachaduras grandes existentes na barragem, que tem menos de dez anos".

Segundo Flores, "se um terremoto mais forte na Zona Central fizer a barragem colapsar, cerca de 100 mil litros de água contaminada formarão um tsunami tóxico que inundará o nosso vilarejo".

Garrafa a R$ 15,00

Com a escassez de água, os moradores de Caimanes têm de buscar hidratação nos mercados locais — e o preço é alto. Nos pequenos comércios dos arredores, a garrafa de um litro de água mineral custa pelo menos três mil pesos (cerca de R$ 15,00), e em épocas de menor estoque já chegou a valer o dobro disso, segundo relatos dos líderes comunitários.

Todos os dias, dez caminhões pipa financiados com verba estatal chegam a Caimanes com água trazida de Valparaíso pela empresa Esval, uma das quatro empresas privadas que administram os recursos hídricos na região central do Chile. A medida ajuda os moradores, mas não satisfaz a todos.

Cristián Flores, do Comitê de Resistência, considera que o Estado atua com covardia "ao dar dinheiro público a outras empresas privadas para somente remediar os efeitos, quando o que nós esperávamos era que o poder público defendesse os nossos interesses".

Privatização da água como resquício da ditadura

O caso de Caimanes é somente um, talvez o mais dramático, entre os vários que mantêm em risco a existência de dezenas de povoados no norte do Chile, onde a disputa pela água potável entre as pequenas comunidades e as gigantes empresas mineradoras é intensa — mais de 60% do PIB chileno é proveniente da mineração do cobre.

Embora menos grave do que Caimanes, o caso de San Pedro de Atacama ganhou mais notoriedade. A cidadezinha de 8 mil habitantes, próxima da tríplice fronteira com Bolívia e Argentina, sofre com a falta d'água, prejudicando também a atividade turística, forte no local, ao não garantir o abastecimento dos cerca de 250 mil pessoas que passam pelo Atacama todos os anos.

Nos anos 1980, quando a política neoliberal de enxugamento do Estado, adotada pela ditadura de Pinochet (1973-1990) era inquestionável, foi promulgado o atual Código de Águas, que, ainda em vigor, permite às empresas privadas controlar os recursos fluviais compreendidos em terrenos de sua propriedade.

A legislação é uma das muitas que continua vigente apesar do fim do regime militar. Para o Comitê de Ação pela Resistência de Caimanes, essa lei privatizou os recursos hídricos no país. "Em novembro, depois da decisão da Corte Suprema, o governo da Bachelet mandou o subsecretário do Interior para a região, mas ele veio somente para visitar os engenheiros da empresa, não conversou com a gente", reclama o dirigente social Cristián Flores, que acusa todos os partidos políticos do país de serem aliados das Empresas Luksic: "Eles financiaram campanhas de Bachelet e Piñera [antecessor da atual presidente], com essa fortuna, não vão perder uma eleição nunca".

Embora os efeitos das mudanças climáticas sofridas pelo planeta também influenciem os recursos hídricos do desértico norte do Chile, e estejam presentes nos conflitos pela água na região, não é o que mais causa controvérsia, já que dos 24 casos conhecidos de escassez o fator da propriedade da água está presente em 21 — todos com desdobramentos na Justiça.

O caso de Caimanes é bastante didático, e um dos mais antigos. Para construir a barragem, a mineradora Los Pelambres adquiriu o enorme terreno ao seu redor e contou com uma série de decisões favoráveis nas instâncias judiciais regionais, além do apoio da prefeitura de Los Vilos, município que administra a região onde habita a comunidade.

Ao utilizá-la para impedir o curso normal do Rio Choapa, a empresa impediu o acesso dos moradores à água potável, e desde então sua alegação é a de que todas as suas atividades estão amparadas pelo Código de Águas e que seu objetivo não era o de prejudicar a população e sim o de viabilizar a atividade mineira na zona, que também precisa desses recursos hídricos.


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