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260614 bacheletChile - O Diário - [Franck Gauchidaud [1]] “Progressismo transformista”, neoliberalismo maduro e resistências sociais emergentes.


O panorama chileno parece muito longe da "revolução". Mas a mudança de época é inegável: uma mudança carregada de nuvens, indefinição e contradições.

Vendo os países vizinhos, como a Bolívia, a Argentina, o Equador, nos quais a crise de legitimidade do modelo neoliberal se transformou em crise de hegemonia com grandes mobilizações e rupturas institucionais, a elite chilena procura enviar um cenário semelhante.

Eleições em tempos de neoliberalismo maduro e de despertar da sociedade [2]

Em 15 de Dezembro de 2013, a candidata presidencial Michelle Bachelet festejou no centro de Santiago, perante militantes e simpatizantes, a sua nova vitória eleitoral. "Chile, chegou o momento de mudar", declarou, no discurso na Av. Alameda, no centro da cidade, para depois reconhecer: "Não vai ser fácil, mas alguma vez foi fácil mudar o mundo para melhor?" Com 62,16% de votação, a ex-mandatária socialista venceu frente ao seu rival de direita Evelyn Matthei, que obteve 37,83% dos votos, o pior resultado da direita desde o fim da ditadura militar (1989). Em Novembro, na primeira volta, a vencedora havia derrotado o seu adversário por 46,6% (ou seja, com mais de 3 milhões de votos) contra 25% de Matthei. O presidente cessante Sebastian Piñera (de direita) também felicitou publicamente a nova mandatária, prometendo-lhe uma atitude "patriótica e construtiva" da futura oposição: "Obteve uma grande vitória, quero desejar-lhe o maior dos êxitos" [3]

A quatro décadas do derrube do governo Allende, o Chile continua a ser um símbolo da implantação, a ferro e fogo, do neoliberalismo na América Latina. Com a derrota da Unidad Popular (1970-1973), a ditadura militar do general Pinochet, ao mesmo tempo que submeteu o país a uma contra-revolução capitalista conservadora, implementou um novo padrão de acumulação, articulado com um "estado subsidiário". Como reconhecem hoje em dia a maior parte dos investigadores [4], o Chile foi "pioneiro", a nível mundial, de um ciclo histórico mundial. O país experimentou um novo modelo económico, inspirado nas teorias monetaristas de Friedman, bem como a refundação das suas instituições e relações sociais: formou-se uma "sociedade neoliberal triunfante" (Gómez, 2010), onde predomina uma nova racionalidade e subjectividade individualista, uma visão do mundo e senso comum próprios do que Lipovetsky chamou a "era do vazio" (Lipovetsky, 1983). Essa refundação precoce (quando comparada com os outros países da região) também deixou a sua marca na "transição democrática" tardia, acordada entre uma esquerda renovada e a direita civil e militar, com o apoio das classes dominantes e das forças armadas, edificando um regime híbrido estudado pelos trabalhos já clássicos do sociólogo Tomás Moulian (Moulian, 1998). De qualquer modo, a coligação que governou o Chile durante vinte anos (1990-2010) , denominada "Concertação de partidos pela democracia" [5], da qual Bachelet é uma das maiores figuras, integrou e, posteriormente, legitimou esse modelo, seguindo uma lógica de adaptação pragmática à ordem hegemónica imperante (Silva, 1991; Gárate, 2012). Com essa in-transição democrática, mantiveram-se (com reformas) múltiplos "espaços autoritários" [6], tão importantes como a Constituição de 1980, parte do regime eleitoral, o código do trabalho, várias leis orgânicas que validaram a privatização-mercantilização da educação, da saúde, das pensões, da atribuição reservada (até ao ano de 2012) de 10% dos lucros da Corporação do Cobre (CODELCO – empresa pública) às forças armadas [7], as leis "antiterroristas" que permitem criminalizar o protesto social, a lei de amnistia de 1978 que protege os violadores dos direitos humanos, etc.

Uma contra-revolução de longa duração que se transformou em "neo-liberalismo maduro" (Agacino, 2006). Um modelo de já quase 40 anos, fortemente implantado, com um bloco de poder hegemónico sólido, uma concentração da riqueza nunca alcançada, mas também imensas desigualdades sociais, um nível de mercantilização dos bens comuns generalizado e um modelo que apresenta, de modo dialéctico, grandes tensões. Nos últimos anos, este regime político e sócio-económico parece parcialmente esgotado, dominado por um poder real que opera fora do estado subsidiário e das suas instituições para deslocar-se para poderes efectivos, das grandes corporações, think tanks neo-liberais, e um reduzido punhado de meios de comunicação: "todas as reformas estruturais, as pensões, o trabalho, a saúde, a educação, os média, a gestão monetária, a produção para exportação, etc., deram os seus "frutos" e agora começam a mostrar as suas contradições". Nestas condições, "a emergência da questão social mudou o panorama e revelou a insuficiência da utopia neoliberal da "ordem do mercado"". A instituição mercado revela-se insuficiente para processar todos os conflitos e transformá-los em meras contendas entre partes privadas (Agacino, 2013a: 40-44).

Sem sombra de dúvida, o recente governo empresarial de Sebastián Piñera (2010-2014), primeiro governo de direita democraticamente eleito desde 1958, significou, num primeiro momento, um sinal de possível renovação e uma clara inflexão política (Gaudichaud, 2012). Mas, para além dos reajustes institucionais, algumas das características fundamentais do Chile actual, pelo menos desde 2006, e ainda mais desde 2011, é que surgiram, e, num segundo momento, irromperam fortemente movimentos sociais críticos da ordem social [8], começando pelo estudantil. A recente experiência chilena "caracterizou-se por mobilizações massivas e amplo descontentamento social por parte de estudantes e cidadãos que exigem mudanças substanciais. É frequente ver tanto as principais avenidas da capital chilena, Santiago, como as capitais regionais e de província, repletas de milhares e milhares de estudantes do ensino secundário, universitário, professores, donas de casa, activistas ecológicos, trabalhadores do cobre, entre outros, indignados, exigindo soluções claras e concretas" (Mira, 2011). A novidade está em que estas acções colectivas tendem a ter impacto no campo político governamental e partidário, bem como sobre a opinião pública. Esse "despertar da sociedade" acelerou o processo de desgaste da democracia neoliberal protegida chilena (Gómez, 2010) e a imagem das duas coligações que dominam a política do país [9] : "Crise de credibilidade pode ser a melhor maneira de referir a actual conjuntura política, relativamente ao governo, mas não atende à longa duração dos movimentos sociais, e não apenas os estudantes, mas também as exigências dos Mapuche, os ecologistas, as minorias sexuais, a perspectiva de análise varia e pode sugerir-se que este é um assunto mais complexo e de fundo: o da legitimidade do sistema político" (Garcés, 2012: 16).

A hipótese central desenvolvida neste artigo é que este regresso da conflituosidade e das sublevações das massas desde "a base" do descontentamento social, depois de décadas de medo, auto-regulação e controlo repressivo, evidenciam, sem dessa forma resolver a questão, a crise crescente de legitimidade e a perda da hegemonia do neoliberalismo maduro chileno [10]. Nestas condições, colocam-se as questões: "Como avaliar, em tal contexto, a clara vitória eleitoral de Michelle Bachelet e da sua coligação?"; "Com base em que orientação programática, reformulação política e articulação com a sociedade?" e "Com que perspectivas para o bloco do poder e para as classes dominantes, frente a um complexo cenário de grandes expectativas populares e, por sua vez, baixa participação eleitoral?" Tentaremos, num primeiro momento, fazer um balanço geral das últimas eleições, e voltaremos rapidamente à figura das duas principais candidatas. Analisaremos de modo crítico o programa e gabinete da nova presidente, assim como os elementos de mudança e continuidade que pretende encarnar. Iremos esboçar, num segundo momento, um balanço da reconfiguração política em curso, para em seguida estudar a enorme taxa de abstenção que marcou o período eleitoral, considerando a politização dos subalternos, sob o manto da sociedade neoliberal triunfante. A nossa conclusão será a oportunidade de retomar alguns elementos de um cenário político agitado e a sua relação com a dinâmica dos conflitos e protestos actuais. [11]

As filhas dos generais, a figura de Bachelet e o programa presidencial

Ainda que, de acordo com Pierre Bourdieu, uma análise de sociologia política não possa cair na "ilusão biográfica" [12], centrando-se unicamente na trajectória de alguns dirigentes, vale a pena recordar aqui alguns elementos biográficos dos principais candidatos destas eleições. É necessário salientar que, 40 anos depois do golpe de estado, e quando a impunidade ainda é enorme, as eleições foram dominadas por duas figuras sobre as quais paira a sombra da ditadura. Neste duelo de senhoras (deixando para trás sete candidatos), combateu Evelyn Matthei, designada, em Novembro de 2013, pela União Democrática Independente (UDI) de extrema-direita, após a surpreendente renúncia (oficialmente por depressão) do vencedor das primárias, o deputado Pablo Longueira. Pouco tempo depois, Matthei conquistou o apoio da Renovação Nacional (RN – Partido de orientação mais liberal), confirmando, assim, a "Aliança pelo Chile" oficial. Frente à irredutível Bachelet, Matthei (59 anos) tentou vangloriar-se da sua longa carreira: deputada, depois senadora e ministra do Trabalho no governo de Piñera. É filha de um general da Força Aérea que fazia parte da junta militar e conhecia de há muito o pai de Bachelet, até a sua morte: o General Matthei dirigiu o centro militar em que Bachelet Geral foi preso e torturado por ser um militar legalista opositor ao golpe. Evelyn, que na sua juventude brincou com Michelle, era (até ao momento) conhecida, como deputada, por ter algumas posições mais abertas que o seu partido (por exemplo, sobre o casamento gay ), mas rapidamente se alinhou e empreendeu uma campanha claramente reaccionária, a par de um discurso que vangloria o sucesso do neo-liberalismo chileno, a gestão do governo Piñera e pretende representar as chamadas "classes médias em ascensão" [13]. A nova mandatária, pelo contrário, soube cultivar a sua figura carismática e uma grande popularidade, incontestada desde 2009 [14]. Médica de profissão e formada na academia de guerra, divorciada e mãe de três filhos, a dirigente socialista é profundamente marcada pela ditadura: não só o pai, mas também ela e sua mãe sofreram prisão e tortura. Ministra da Saúde (2000) e ministra da Defesa (2002), foi a primeira mulher eleita presidente do país em 2006. Bachelet, pela sua carreira, é um "produto" dos governos de concertação e teve a capacidade de se manter imune face ao desgaste dos partidos tradicionais. Sem dúvida, a sua estadia em Nova Iorque, como líder do programa "ONU Mulheres" (2010-2013) foi providencial, o que lhe permitiu manter-se à margem da política do quotidiano e cultivar uma imagem mítica de grande estadista. Quando no calor da experiência recente com o processo bolivariano, se retomou o estudo das "lideranças carismáticas" na América Latina (Raby, 2006; Stefanoni, 2011), valeria a pena integrar o bacheletismo em qualquer categoria de liderança carismática-emocional feminina (mesmo que seja claramente diferente de Chávez e não procure a mobilização controlada da sociedade civil em torno dos seus projectos). O sociólogo Alberto Mayol recorda que este fenómeno tem intrigado vários meios de comunicação no mundo. Assim, em Junho de 2012, o jornal britânico Financial Times afirmou que Bachelet "poderia contrabandear pandas sem danificar a sua imagem", enquanto, no Chile, o diário La Tercera perguntava por que razão Bachelet permanece à prova de fogo? (5 de Janeiro de 2013): "As respostas foram as de sempre: liderança emocional, factor de comparação com Piñera, a sua distância relativamente à crise política, o silêncio, a sua forte ligação às mulheres e às camadas pobres. Havia boas descrições, mas nenhuma continha o poder explicativo da descrição tão assertiva do Financial Times. Mayol sugere, com base em vários estudos e, em particular, uma investigação sobre a "economia dos valores" (Mayol, 2007), que haveria que entender também o bacheletismo como "fenómeno cristológico": "Os estudos qualitativos revelam Bachelet como símbolo da dor, do padecimento, do sofrimento. Vimos como a sua equação era simples e clara: ela é médica (sabe o que é a dor), foi detida e torturada (viveu a dor), seu pai morreu torturado (a sua vida está rodeada de dor). Nesta equação, intervém um elemento central da nossa cultura: ser do povo significa "ser" a dor". Nesta óptica, Bachelet inscreve-se na "dimensão política do sofrimento", estudado por Marie-Christine Doran (2009).

Não obstante, primeiro deve perguntar-se se a figura de Bachelet não seria claramente mariana, apresentando-se, no plano simbólico, como a "mãe" da nação, sorridente, protectora e compreensiva, como soube forjar a sua personagem ao longo das últimas campanhas. E, antes de tudo, haverá que decifrar este rumo político, desde a solidariedade de género: um tema crucial para as eleições de 2013, como para as de 2005 (Doran, 2010). Investigações universitárias demonstraram que o apoio das mulheres foi determinante para o primeiro triunfo de Bachelet, em particular com uma grande votação das famílias pobres com uma mulher à cabeça (Quiroga, 2008). Por último, recordemos que esta imagem é construção e comunicação desde os aparatos políticos, desde a política-espectáculo, apoiado no uso intensivo da televisão, sítios web e redes sociais. Com um comando presidencial desmedido (formado por cerca de 500 pessoas) e de um orçamento considerável, a candidata levou a cabo um marketing político milimetricamente planificado, digno de estudos futuros. De resto, tanto os partidários da direita como algumas revistas críticas de esquerda (Punto final) destacaram que a sua campanha havia recebido um financiamento proveniente das grandes empresas três vezes maior que o da candidata do governo. O diário conservador El Mercurio de 24 de Novembro de 2013 chegou inclusivamente a denunciar "a disparidade no financiamento por parte do mundo empresarial" entre Bachelet e Matthei [15]. Para além dos números, um elemento fundamental do êxito do Bacheletismo é que oferece à Concertação a possibilidade de superar a sua falta de credibilidade (depois de 20 anos de governo) e, ao mesmo tempo, apresentar um programa de regeneração validado pelas principais fracções das classes dominantes. Antes da primeira volta, alguns membros eminentes do sindicalismo patronal não hesitaram em apoiar a antiga presidente. Começando por Jorge Awad, democrata-cristão, presidente da associação dos bancos chilenos e grande adepto do "capitalismo inclusivo". [16] Existe um amplo acordo tácito dentro do empresariado e das instituições financeiras internacionais para reconhecer em Bachelet um factor de estabilidade e garantia para os investimentos, sobretudo quando Piñera vai deixando uma imagem negativa e grandes conflitos sociais. O programa de Bachelet sobre temas sensíveis como os direitos sobre a água, investimentos mineiros, abertura do mercado mundial, dá sólidas garantias ao capital nacional e transnacional [17]. É também o caso de questões mais centrais, como os Tratados de Comércio Livre (o Chile é o país do mundo que mais TCL assinou) e a necessidade de prosseguir com a Aliança do Pacífico (ainda que numa perspectiva "não excludente" em relação a outros projectos de integração), deixando o caminho livre para o Acordo de Associação Transpacífico (AAT), um dos maiores projectos geopolíticos dos EUA na região latino-americana para as futuras décadas. [18]

Sem embargo, explicar a vitória eleitoral da Nova Maioria a partir da mera continuidade dos governos neoliberais da Concertação, depois de um breve intervalo da direita, seria um erro de perspectiva. Cremos que se pode considerar o novo governo como um projecto de reformas em continuidade num contexto de mudança de época.

A Nova Maioria, as reformas e o "transformismo" político

Se a coligação que defendeu as cores de Bachelet se chama "Nova Maioria" (e já não Concertação) é reflexo de uma tentativa (conseguida?) de renovar uma coligação exausta, mas também das mudanças que atravessa a sociedade chilena. Dentro desta renovação-reconfiguração, a capacidade que Bachelet teve, apesar da reacção ruidosa proveniente da democracia cristã (DC), de integrar, pela primeira vez, o Partido Comunista (PC), não é um feito menor [19]. O PC, principal força de esquerda, até agora não tolerada pela Concertação, deu mais um passo no sentido da institucionalização, depois de várias tentativas de aproximações aos eleitores, quando decidiu defender a candidata na primeira volta. A organização, presidida por Guillermo Teillie, depois de ter ganho três deputados em eleições anteriores, graças a acordos "por omissão", com a Concertação, perseguia o objectivo de aumentar a sua representação parlamentar: um espaço considerado chave para pesar sobre o futuro quadro político-nacional. O histórico partido de Luís Emílio Recaberren (outrora pilar do Governo Allende) defende a ideia de que a Nova Maioria representa um avanço democrático frente à direita, e uma via possível para futuros "governos de novo tipo". No estrito plano dos números, a táctica foi um êxito: o PC duplica o seu número de deputados (passando de 3 a 6) e cinco das suas cartas são eleitas com primeira maioria nos seus respectivos distritos. "Um resultado extraordinário", segundo Teillier. Conseguem também fazer entrar no parlamento representantes das lutas estudantis, começando por Camila Valejo, antiga presidente da Confederação de Estudantes do Chile (CONFECH), eleita com uns arrasadores 40% na comuna de La Florida (Santiago) e Karol Cariola, secretária-geral das juventudes comunistas. Ainda assim, os comunistas regressam ao governo depois de 40 anos de exclusão, com a nomeação de Claudia Pascual como Ministra Directora do Serviço Nacional da Mulher. Mas como explicar tal reconversão pragmática quando, durante anos, a Concertação foi apresentada pela direcção comunista como ferramenta do neoliberalismo? Face às críticas que surgem desde as bases do partido, o dirigente do PC reconhece: "essa desconfiança existe, está latente, mas nos últimos 20 anos nunca houve um programa como este. Os anteriores não se cumpriram porque havia outras condições, com casos de corrupção que geraram receios. Depois veio a crise da Concertação que terminou com um governo de direita, e deram-se conta de que não poderiam seguir o mesmo caminho, nem com as mesmas ofertas. A novidade foi a Nova Maioria e um programa que interpreta o movimento social." [20]

A situação revela-se então confusa: como podem alguns sectores mobilizados ou analistas ler o programa de Bachelet como continuador do neoliberalismo, quando outros à esquerda o assumem como progressista? Lidando com precários equilíbrios internos (CIPER, 2013), a flexibilidade discursiva de Bachelet e a inteligência das equipas programáticas, coordenadas pelo socialista Alberto Arenas, permitiram integrar, pela primeira vez desde 1990, reformas substanciais à agenda de políticas públicas, ouvir o que se diz nas ruas e, por sua vez, dar garantias de governabilidade ao capital. Umas das forças da campanha foi centrar-se nalgumas grandes reformas progressistas. Esta orientação foi validada nas eleições primárias abertas da antiga Concertação (nas quais participaram mais de dois milhões de votantes), os quais foram muito desfavoráveis para o candidato mais conservador, Cláudio Orrego (DC), marcando assim um acerto para o pólo progressista.

As promessas de mudança tiveram três eixos principais. Em primeiro lugar, uma reforma constitucional "participativa, democrática e institucional", que irá requerer um acordo com a direita no Congresso (para obter os quórum requeridos). A discussão poderia ser precedida de uma consulta à "sociedade civil" e ser validada por referendo. A candidata, rainha da ambiguidade, negou-se a pronunciar-se a favor de uma verdadeira assembleia constituinte e popular (AC), para grande desilusão dos colectivos que animaram a campanha "Vota AC" [21]. O segundo eixo centrou-se numa reforma fiscal, equivalente a 3% do PIB, destinado a taxar "moderadamente" (segundo reconheceu um dos seus novos ministros) os enormes benefícios das principais empresas, num país com um nível tributário extremamente baixo. E, por último, uma reforma gradual da educação que procura responder, em parte, às grandes mobilizações dos jovens que encheram as ruas, reclamando o fim da educação-mercado que reina no Chile e a criação de uma "educação gratuita, pública e de qualidade" (Mayol, 2012). A nova maioria soube assim sentir o pulso da sociedade, com a promessa de acabar com "o lucro dos fundos públicos na educação" e financiar uma "educação gratuita a todos os níveis", em particular no acesso a todas as universidades credenciadas (públicas, mas sobretudo privadas, as mais numerosas), um objectivo a alcançar dentro de seis anos [22]. Devem referir-se também os anúncios de alguns progressos no código do trabalho (que data da ditadura) ou o projecto de criação de uma administradora estatal de fundos de pensões. Estes anúncios tiveram um "rendimento eleitoral" muito elevado e a presidente eleita tem hoje um apoio muito amplo para levar a cabo o seu plano de reformas [23].

Mas o programa e as duas décadas de política económica neoliberal da antiga Concertação não desapareceram. A solidez do edifício hegemónico e as redes poder construídas durante os últimos 35 anos são extremamente resistentes, solidamente enraizadas e resilientes. A profunda incidência dos TLC na economia nacional, a participação de personalidades-chave da Concertação no negócio das universidades, nos conselhos de administração das grandes empresas ou a colusão com os fundos de pensões [24], etc., significam que, com este governo, o Chile continuará a ser, de maneira indirecta, um "país governado pelos seus donos" (Fazio, 2011; Fazio y Parada, 2010). Mas agora com reformas modernizadoras. "A Nova Maioria sabe que a democracia dos acordos com a direita que dominou o Chile do período pós-ditadura não dá para uma segunda versão e que a estrutura institucional que contribuíram para ajustar está a quebrar. Se até ao anterior governo de Bachelet, as organizações sociais mordiam os dentes sem que a elite da Concertação se preocupasse, agora o equilíbrio aposta em desenvolver políticas que deixem todos contentes" (Becerra, 2014). Até o FMI defende esta opção reformadora: numa entrevista ao Diário Financeiro de Santiago, no princípio de Janeiro de 2014, Alejandro Erner, actual director do FMI para o hemisfério ocidental, destacava "a necessidade de reformas estruturais" e elogiava as propostas da Nova Maioria como uma importante oportunidade para construir "um sistema educativo e um maior capital humano que dê produtividade à força de trabalho" do país [25]. Um simples olhar para o novo gabinete permite entrever o que está para vir. Se, dos 23 ministros, se pode valorizar a presença de nove mulheres (um recorde histórico), ou de 5 ministros que se pronunciaram a favor de uma Assembleia Constituinte, os postos-chave estão em mãos de conotados agentes da hegemonia neoliberal. Assim Javiera Blanco, a Ministra do Trabalho, é antiga subsecretária de Carabineros e antiga directora executiva da Fundação "Paz Cidadã" (1998-2006), importante think tank financiado por grandes multinacionais e destinado a introduzir o tema da delinquência como prioridade pública, sob a capa de "segurança dos cidadãos": um conceito que se desenvolveu a par de mecanismos de controlo social e criminalização de protesto social (Stevenson, 2013). Recorde-se que a "Paz dos Cidadãos" é presidida pelo ex-golpista Agustín Edwards, dono de grande parte do duopólio que domina o campo mediático chileno (El Mercurio e La Segunda entre outros).

Assim se dá ao mundo sindical um sinal negativo para as futuras discussões sobre o salário mínimo e flexibilidade laboral. Na energia, sector estratégico, foi nomeado o democrata cristão Máximo Pacheco Matte, expoente do mundo empresarial, ex-colaborador do Presidente Piñera, que chegou a ser vice-presidente da multinacional do papel norte-americana International Paper. Pacheco é, além disso, membro de uma das famílias mais abastadas do país, os Matte, donos da Colbún e envolvidos no mega-projecto energético Hydroaysen, rejeitado pelas organizações ecologistas e civis [26]. Outra carteira estratégica, quando as expectativas neste plano são imensas: o ministério da educação, atribuído a Nicolás Eyzaguirre, antigo alto funcionário do FMI e Ministro da Fazenda do Governo Lagos. Eyzaguirre foi denunciado por organizações estudantis pela sua gestão favorável aos bancos (em particular com a criação do crédito com aval do estado para os alunos do ensino superior) [27]. No interior, na economia e nos negócios estrangeiros aparecem sobretudo homens de confiança de Bachelet, sob a liderança de Alberto Arenas, antigo chefe programático da campanha, agora "catapultado" para ministro da Fazenda na sua qualidade de economista, fazendo-se notar o estilo pessoal e carismático da presidente da Confederação da Produção e Comércio (CPC), o grémio da Burguesia residente no Chile não pareceu impressionado pela presença de uma ministra comunista feminista ou de um ministro do ambiente próximo das ONG: "É um bom gabinete, uma boa equipa, com as capacidades técnicas e profissionais para enfrentar os desafios colocados ao Chile. Conhecemos alguns deles e temos confiança." [28].

Numa óptica gramsciana, Moulian insistiu no "transformismo" sociopolítico do pós-ditadura, baseado num modelo gerido e, em poucos aspectos, aprofundado por ex-esquerdistas e revolucionários "renovados" no seio da Concertação: "Chamo 'transformismo' às operações que, no Chile actual, se realizam para assegurar a reprodução da 'infra-estrutura' criada durante a ditadura, despojada das formas nefastas, das brutais e cruas 'superestruturas' de então." O 'transformismo' consiste numa alucinante operação de perpetuação que se realizou através da reconfiguração do estado. Este modificou-se em vários sentidos muito importantes, mas mantendo um pacto substancial. Mudou o regime de poder, passou de uma ditadura a uma certa forma de democracia, e mudaram os políticos no postos de poder no estado. Mas não há uma mudança do bloco dominante, que transforme o modelo de dominação" (Moulian, 1997: 140-141). A época político-social que começa agora, tomando em conta as modificações das relações entre classes populares e o bloco no poder, poderia definir-se como uma etapa última do transformismo chileno: mais que um suposto neoliberalismo "corrigido" por um progressismo "limitado", que se poderia ir democratizando paulatinamente, como o sugeriu Manuel António Garretón (Garretón, 2012), o governo de Bachelet 2.0 inaugura uma fase que nos propomos denominar como época de progressismo neoliberal ou social-liberalismo maduro, num contexto de crise de legitimidade do sistema de dominação forjado na ditadura.

Leve reconfiguração parlamentar, abstenção massiva e mal-estar neoliberal

Em simultâneo com as presidenciais, o Chile enfrentou uma sequência eleitoral inédita com outras três votações simultâneas: para senador, deputado e, pela primeira vez, eleições directas para conselheiros regionais. Se bem que não seja nossa intenção nestas linhas analisar em detalhe os resultados por circunscrição, vale a pena assinalar algumas tendências notórias que poderiam ajudar-nos a compreender esta problemática. Tinham direito a voto 13 573 143, sem contar as centenas de milhares de chilenos no estrangeiro, com o seu direito a voto negado pela Constituição de 1980. Sinal de uma lenta mas inegável fragmentação dos dois blocos que dominaram o parlamento desde os anos 1990, nove candidatos disputavam a presidência (número inédito). [29] Tanto o centro-direita (candidatura de Antonio Parisi), como o centro-esquerda (candidatura de Marco Enríquez-Ominami) começaram a questionar, dentro do próprio sistema, o domínio do "duopólio" político: disputando a posição de terceira força (cada uma com pouco mais de 10%), Parisi e Enriquez-Ominami negaram-se explicitamente a apoiar uma das candidatas na segunda volta.

Os resultados legislativos evidenciam também os reajustes em curso "nas alturas" do sistema partidário, tanto pela diminuição dos parlamentares de extrema-direita (o RN aumenta de 18 a 19, a UDI diminui, de 37 para 29), como pelo aumento de deputados socialistas (de 11 para 16) e comunistas (de 3 para 6). Desde a nova maioria, é notável a perda de figuras históricas como Soledad Alvear ou Camilo Escalona, e os resultados da sua ala mais conservadora: a DC ganha deputados mas com um importante retrocesso no Senado [30]. Uma vez mais o sistema eleitoral binominal [31], enclave autoritário e legado do intelectual orgânico da ditadura Jaime Guzmán, funcionou como sistema proporcional (ou maioritário corrigido) excludente, reforçando artificialmente a representação dos dois principais pactos e dando estabilidade às instituições da protegida democracia neoliberal (Couffignal, 2011). Mediante o jogo das "dobragens" em várias circunscrições, confirmou-se (uma vez mais) que uma situação de tomada consensual por parte da coligação do campo político parlamentar pelos dois interesses dominantes (Moulian, 2010), impedindo uma troca real no sistema de partido e expressão diferida do crescente descontentamento social. De resto, como já havia sido o caso no passado recente, a antiga Concertação viu-se favorecida por enclaves autoritários, pois controla 56% da câmara baixa, com 47% dos votos... [32] para além disso, diferentemente do período que começou em 2010, Bachelet pode agora contar com uma confortável maioria e a sua coligação mantém o controlo do Senado. Esse cenário dá-lhe votos necessários para aprovar varias reformas, como a reforma tributária e, inclusivamente, se procurar o apoio de dois dos quatro deputados independentes e de Carlos Bianchi (único senador independente), alcançará o quórum dos quatro sétimos, possibilitando a mudança de leis orgânicas e criando terreno para reformas importantes, por exemplo na educação. Não obstante, no que concerne a mudanças constitucionais, a Nova Maioria poderá invocar (mais uma vez) "consensos" necessários com a direita para obter os quórum indispensáveis, no momento de explicar aos cidadãos a sua falta de ousadia, como fez durante vinte anos de "democracia tutelada". [33]

Mas, apesar da blindagem do regime político, alguns sinais evidentes dão mostras do que se passa na sociedade, em momentos diferentes. Já mencionámos a eleição de duas jovens mulheres comunistas e ex-líderes estudantis. Também se poderia mencionar a eleição de Iván Fuentes, líder de grandes lutas no sul do país e deputado cooptado pelo DC ou, no centro de Santiago, na chegada à disputa de Giorgio Jackson, ex-dirigente estudantil e eleito sob as cores da recém criada "Revolução Democrática", isto graças à "omissão" da Concertação nesta circunscrição. O único deputado que logrou romper o sistema binominal foi Gabriel Boric (outro antigo líder estudantil e membro do colectivo "Esquerda Autónoma"), deputado independente pela Região de Magallanes e da Antártica. Sem dúvidas, são caras novas, que poderiam trazer sangue novo a um envelhecido Congresso. Marcam a nova geografia política do país, mas essencialmente desde a integração-cooptação e dentro dos espaços deixados pelos enclaves autoritários.

Outro aspecto notável de um panorama flutuante: a profunda crise da direita. A candidatura de Matthei não convenceu, mesmo dentro das fileiras do seu partido, e vários empresários sentem que Piñera não os representou como tinha anunciado. A UDI, sob a batuta dos apoiantes de Pinochet nunca arrependidos, continua a ser o principal grupo parlamentar do país, graças à sua rede de autarcas e da sua inserção clientelar em muitos bairros populares. Não obstante, registou uma debandada, ficando inclusivamente sem senadores na região metropolitana de Santiago (zona que havia controlado durante 16 anos). A outra força desta aliança, a RN, está em ruínas e a relação com a UDI vai de mal a pior; fruto da derrota e, fundamentalmente, devido a orientações divergentes dentro das classes dominantes entre capitalistas modernizadores e nostálgicos dos tempos autoritários. Vários sectores apostam na criação de uma "nova direita", mais liberal e centrista, aberta às reformas, objectivo inicialmente seguido por Piñera e pelo seu braço direito Rodrigo Hinzpeter (Gaudichaud, 2012). As lutas fratricidas pelo controlo da RN tomam dimensões insuspeitadas, e dirigentes como o antigo alcaide Manuel J. Ossandón e o actual senador Andrés Allamand tornam público o seu descontentamento. Paralelamente, outros quadros renunciaram ao partido com o fim de criar o seu próprio grupo, como o movimento "evolução política" (Evópoli), formado por antigos ministros do governo Piñera ou o grupo "Amplitud" que estaria preparando a plataforma eleitoral para Piñera, em 2017 [34]. Frente a tal descalabro, as operações transformistas da antiga Concertação, a sua interpretação mais fina do período, são avaliadas com inveja pelos sectores mais pragmáticos da direita. Como sublinha Sebastian Farfán, dirigente da União Nacional Estudantil e jovem candidato a deputado em Valparaíso: "A aliança foi incapaz de ler adequadamente o cenário, do que resultou um "relato desconexo", ou seja, uma leitura e propostas que apareciam como anacrónicas em relação aos novos elementos que o senso comum fazia seus" [35].

Vejamos agora o processo eleitoral de outro ângulo: a participação. Excluindo as municipais, estas eleições presidenciais e parlamentares foram as primeiras eleições organizadas com voto voluntário (com inscrição automática), depois de décadas de voto obrigatório (com inscrição voluntária) [36]. Foram numerosas as publicações que se concentraram a discutir os efeitos particulares do regime de inscrição eleitoral e os (des)incentivos que este tipo de procedimento chega a gerar na participação dos cidadãos (Navia, 2004). Também desde há anos se discute para saber se a adopção do voto voluntário iria reforçar a forte abstenção que se instalou (a poucos anos de terminar o regime militar) (Valenzuela, 2004). É um facto que, depois da importante participação no plebiscito de 1988, e da vitória do "No" a Pinochet [37], começou a despontar a desilusão e o desinteresse pela política, especialmente na geração pós plebiscito. O Chile encontra-se em último lugar das Américas em termos de participação eleitoral dos adultos de menos de 37 anos, superando inclusivamente aqueles países que têm um sistema de voto voluntário, como a Venezuela ou a Colômbia (Sérgio Y. Toro, 2008). Ficam por estudar detalhadamente os efeitos da adopção do voto voluntário nestas últimas eleições, em particular nos bairros pobres, onde os níveis de abstenção foram elevadíssimos [38]. Mas estas eleições confirmam uma tendência profunda do regime político: a abstenção eleitoral e o desinteresse da juventude e da população em geral pela política formal representativa. A maioria eleitoral real do país abstém-se: quase 60% nas eleições municipais de 2012 cerca de 51% nas presidenciais e parlamentares de 17 de Novembro de 2013 e 58% na segunda volta, realizada no mês seguinte. Apenas 4 em cada 10 chilenos optou por votar na segunda volta, o menor número desde 1990. Em rigor, poderia afirmar-se que a Presidente Bachelet foi eleita com uns reduzidos 25% dos eleitores e não apenas não obteve a vaticinada maioria absoluta na primeira volta [39], mas também perdeu 120 000 votos em comparação com 2005. Nas parlamentares, o fenómeno é ainda mais vincado: os representantes da Nova Maioria representam apenas 21% do eleitorado, e os da Aliança, uns escassos 16% [40].

Para além da discussão sobre regimes eleitorais, esta dinâmica de massas confirma a existência de uma política e cidadania neoliberais, analisada por vários estudos anteriores. Emerge uma profunda crise da política (entendida no seu sentido liberal-representativo) e releva-se a figura do "cidadão-credit card" abstencionista, relutante à acção colectiva, como ao voto, retracto da sociedade neoliberal triunfante. A "privatização do cidadão", reduzido aos seus espaços comunitários e familiares, na área do hiperconsumismo e do mercantilismo individualizado, afastado da polis e dos seus debates, é um dado estrutural da realidade chilena. Não obstante, a actual conjuntura de fortes mobilizações, em particular nas camadas mais jovens, tradicionalmente abstencionistas, permite antecipar que, dentro das mudanças actuais, vá aumentando o que Juan Carlos Gómez denomina o "partido dos eleitores": "Este grupo de cidadãos é activo politicamente, mas não participa nos actos eleitorais por várias e diferentes razões, desde a rejeição dos políticos, dos partidos políticos, da democracia representativa, etc. A sua participação nas eleições manifesta-se na abstenção, no voto nulo ou em branco. A sua decisão eleitoral é não eleger" (Gómez, 2010: 183).

Se bem que essas forças politicas disruptivas sejam minoritárias, inclusive dentro dos actores dos movimentos sociais, conseguiram que se multiplicassem os apelos à "greve eleitoral constituinte", à "abstenção activa" ou "buliçosa", a "anular o voto", para dar prioridade à organização desde as bases, horizontal, parlamentar e autónoma. Neste campo heterogéneo da "esquerda desconfiada" (Agacino, 2006), estão lado a lado intelectuais críticos, colectivos libertários, trotskistas ou marxistas com organizações de bairro, ecologistas ou sindicais, tais com a Assembleia Coordenadora de Estudantes Secundários (ACES). Algumas declarações de Eloísa Gonzáles, antiga porta-voz da ACES, ilustram bem este sentimento: "a abstenção é um fenómeno que reflecte a situação em que estamos actualmente. Não vai gerar mudanças, mas como acto político ou como fenómeno que expressa este mal-estar e esta realidade, expressa também desafios que temos de tomar em conta. O conjunto da população não sente que as suas exigências e problemas possam ser resolvidos pela via constitucional" [41]. Este questionamento ganha terreno em várias camadas sociais, como pudemos constatar através de conversas directas com os cidadãos comuns e de entrevistas qualitativas, realizando uma reportagem para o Le Monde Diplomatique, no dia da segunda volta das eleições presidenciais (Gaudichaud, 2013a).

A reconstituição de novas subjectividades antagónicas e alguns cenários possíveis

O mal-estar neoliberal está em vias de politização, graças à irrupção de novas subjectividades subalternas que começam a rebaixar a democracia tutelada e a sua baixa conflituosidade de classe. O mal-estar latente teve o seu final, ou pelo menos uma suspensão significativa, durante 2011, a partir de um processo de mobilização social de grande envergadura que baseou esse mal-estar nos problemas da educação chilena. A ilegitimidade anterior do protesto público inverteu o seu sinal e o acto de protesto passou a ser parte fundamental do modo como as exigências dos cidadãos conseguiram, legitimamente, chegar às autoridades, enquanto estas perdiam a sua já escassa aprovação" (Azócar y Mayol, 2011).

Se, na primeira parte deste artigo, mencionámos a crise de legitimidade do sistema institucional imperante, podemos constatar que esta crise tende a orientar-se para um questionamento (desde as bases) do neoliberalismo maduro, agora numa reconfiguração transformista "progressista". A própria existência desse progressismo e as promessas da candidata Bachelet demonstram, ao mesmo tempo, as fissuras do bloco no poder e de que maneira o despertar da sociedade instalou na polis temáticas impensáveis até há anos atrás, como, por exemplo, o "não ao lucro" ou a necessária renacionalização do cobre. No fluxo de conflitos que se inicia em 2011-2012, foi o movimento estudantil que se fez porta-voz das múltiplas exigências acumuladas: "desde as entranhas do próprio sistema educacional, não apenas levantou a voz a respeito de um problema que o afectava como grupo de características particulares na sociedade, como conseguiu fazer dessa exigência um sentimento geral de toda uma população que via logradas as promessas de uma 'alegria vindoura'" (Azócar, 2013:115). Por outro lado, não apenas estas exigências dos jovens (apoiadas massivamente pela opinião pública) anularam o "senso comum" neoliberal, mas também reinventaram formas de organização e repertórios de acção mais horizontais, em autogestão e mais democráticos. Ocupações de liceus, colégios e universidades, actos culturais "alternativos", flash-mobs e protestos, intervenções em assembleias, protestos com panelas e manifestações massivas e festivas, etc., provocaram "uma deslocação da política desde os espaços institucionais clássicos até à própria sociedade. Ainda que de um modo incipiente, entre os sectores mais activos e independentes, começaram a circular ideias como "controlo comunitário" uma espécie de poder popular reinventado, por oposição a um estatismo e/ou predomínio dos mercados, e outra como recuperação da "soberania popular sobre as necessidades", fio condutor das exigências com horizonte emancipador" (Agacino, 2013b). Apesar da sua grande criatividade e, em ausência de alternativas políticas globais e de aliados estáveis dentro do espaço dos espaços dos movimentos sociais [42], essas mobilizações explosivas tenderam a decrescer à medida que se aproximavam as eleições, mas sem terem sido derrotadas. A tensão existente entre a crescente politização a partir da sociedade e ausência de ferramentas políticas genuínas para acumular forças fazem parte das debilidades intrínsecas deste ressurgimento dos conflitos no Chile.

Para numerosos colectivos e jovens que se mobilizam desde os começos dos anos 2000, a via eleitoral dentro do sistema herdado dos tempos de Pinochet não representa nenhum caminho possível para a construção de alternativas políticas. A rejeição da figura do partido e do seu potencial verticalismo é muito forte (como noutras latitudes). Em paralelo, uma tendência de fundo é a grande fragmentação das esquerdas extra-parlamentares, marcadas todavia pelo impacto repressivo-destrutivo da ditadura, como pela marginalização política da transição acordada (e não poucos conflitos e dogmatismos internos). O fracasso da aposta eleitoral das duas candidaturas que afirmaram ideias de ruptura com o neoliberalismo durante as últimas presidenciais corroboram as imensas dificuldades existentes para a projecção política do mal-estar popular. Não está na ambição deste artigo analisar estas duas campanhas que tentaram disputar a hegemonia cultural neoliberal, utilizando o momento mediático-eleitoral como tribuna, tendo assim um eco nacional dificilmente alcançável anteriormente. Apenas mencionaremos que o universitário Marcel Claude, apoiado pelo Partido Humanista, alguns grupos dentro do movimento estudantil e o movimento "Todos a la Moneda", [43] obteve apenas 185 072 votos (2,81%), apesar de um início de campanha notável no plano mediático. Por outro lado, Roxana Miranda procurou representar "a voz dos que não são ninguém" dentro da ronda eleitoral, com um perfil de mulher combativa e uma linguagem popular sem rodeios. Nem por isso materializou muitos votos (1,24%), nem conseguiu ir além do pequeno Partido Igualdad e parte do movimento dos devedores da habitação ou de alguns sindicatos de trabalhadores flexibilizados. [44].

Se nos parece um exagero falar de uma "nova era" (no sentido de mudanças estruturais) ou de "derrube do modelo da economia de mercado" nas condições actuais (Mayol, 2011), é certo que o referido padrão de acumulação e social se encontra em cheque. "Nos últimos 20 anos, a economia chilena cresceu a uma média de 5,1% e em 2010 alcançou um PIB per capita de 14 341 dólares, ainda assim permanecendo entre os 15 países mais desiguais do planeta. E ainda que a prosperidade económica do país mais avançado da América Latina seja perceptível, é inquestionável que não se plasma numa melhoria da qualidade de vida das famílias chilenas" (Mira, 2012). Os "super-ricos" estudados pelo Departamento de Economia da Universidade do Chile, são todavia capazes de capturar "a parte de leão" da renda nacional: os rendimentos per capita do 1% mais rico são 40 vezes superiores aos rendimentos per capita de 81% da população e, pior ainda: se se somarem aos rendimentos tributáveis as receitas retidas, verifica-se que os rendimentos dos 0,1% mais ricos são 241 vezes os de 99,9% da restante população (López et al., 2013). Mas o bloco no poder está confuso, sentindo que está definitivamente perante uma mudança de época, talvez de era. A curto prazo, as operações transformistas do bacheletismo tentaram responder a este desconcerto. A proposta da Nova Maioria é reformar em continuidade, mas para isso necessitará também de canalizar e controlar (na medida do possível) os movimentos sociais mais críticos e enfrentar um período que será seguramente de forte pressão, desde a base da sociedade, e grandes mobilizações. [45]. O novo governo terá que jogar tanto no plano da consulta-cooptação (com a ajuda dos seus novos integrantes de esquerda e das ligações que conserva com o espaço dos movimentos sociais), como desde a coacção-repressão estatal. Numa nota editorial para El Mercurio, Eugénio Tironi, destacado artífice intelectual do transformismo social-liberal da esquerda chilena, o expressou com todas as letras e algum lirismo: com Bachelet, "a razão de ser das instituições políticas não é defender-se das maiorias, mas canalizar os seus anseios, que, no caso do Chile actual, significa a mudança. Reforma ou revolução: um velho dilema que volta a ser actual" [46].

O panorama chileno parece todavia muito longe da "revolução", invocada como um terrível espectro do passado por Tironi. Mas a mudança de época é inegável: uma mudança carregada de nuvens, indefinição e contradições. Vendo os países vizinhos, como a Bolívia, a Argentina, o Equador, nos quais a crise de legitimidade do modelo neoliberal se transformou em crise de hegemonia com grandes mobilizações e rupturas institucionais, a elite chilena procura enviar um cenário semelhante. As tensões na direita, como a recomposição da antiga Concertação, mostram que as classes dominantes estão a apalpar o caminho para tentar encontrar novos ares e possíveis correcções sustentáveis para o regime político. Os problemas do modelo podem provocar-lhes sobressaltos, como sejam reacções violentas por parte dos que estão "por cima". Ao acabar a etapa hegemónica do neoliberalismo, o domínio neoliberal resiste a desparecer. As resistências à mudança de época dividem-se entre reacção e revolução passiva [47] : a reacção violenta que assoma no regresso de práticas repressivas específicas e a revolução passiva que assume o rosto de governos que defendem a continuidade mediante correctivos conservadores" (Modonesi, 2008:139).

Se, neste momento, falar no fim da hegemonia do neoliberalismo pode soar a política-ficção, podemos constatar que estão a surgir novos actores sociais antagónicos e não poucas subjectividades não conformes (ainda que minoritárias). Em paralelo às exigências estudantis, permanecem as lutas do povo Mapuche, apesar da militarização dos seus territórios; acções colectivas sócio-ambientais contra mega-projectos, mobilizações feministas e de povoadores. Para coroar este quadro, o movimento operário, actor histórico essencial do país, está reencontrando as vias do sindicalismo de classe. Desde 1979, a actividade grevista aumentou paulatinamente até chegar, em 2009, praticamente aos níveis dos começos dos anos 1970, ainda que de forma mais dividida e em condições legais extremamente restritivas (Armstrong y Águila, 2011) [48]. O movimento sindical continua fragmentado e débil, mas importantes resistências têm contribuído para lhe dar novamente um papel central na luta de classes, quando a característica do neoliberalismo maduro era precisamente a repressão e posterior des-constituição destas lutas. A grande luta dos portuários é um exemplo desta re-constituição molecular, além disso num sector chave da acumulação primo-exportadora. Em 2011, o sector portuário foi um dos mais activos em solidariedade com o movimento estudantil. No ano seguinte, as uniões portuárias unificaram progressivamente os assalariados contratados e precários de vários portos, mesmo quando a negociação por ramo de actividade está proibida por lei. Os níveis de coesão alcançados e a prática de "greves de solidariedade" lograram em 2013, e de novo em Janeiro de 2014, apesar dos níveis de repressão, obrigar o empresariado portuário (com o aval do governo) a negociar, alcançando conquistas históricas frente a um sector patronal muito combativo (Walder, 2013b). Quando a Central Unitária dos Trabalhadores (CUT) está paralisada, e controlada pela Nova Maioria (a sua presidente é Bárbara Figueroa, dirigente do PC) o surgimento deste sindicalismo de novo tipo poderia reatar progressivamente o poder popular e das lutas dos trabalhadoras dos anos 1970 (Gaudichaud, 2004). Mas nada está escrito. Sem referentes políticos capazes de solidificar uma massa crítica anticapitalista e, quando as subjectividades neoliberais dominam, apesar de tudo, a sociedade, fica muito caminho por percorrer. Mas essa mudança de época poderia deixar atrás décadas de democracia tutelada e de isolamento regional para, sob novos horizontes utópicos, entrar em consonância com as gramáticas de emancipação em construção que cavalgam no resto do continente (Gaudichaud, 2013a).

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Notas do autor:

[1] Franck Gaudichaud é doutor em ciência política (Universidade Paris 8) e professor titular em estudos latino-americanos na Universidade de Grenoble – França. É também membro do colectivo editorial do sítio Rebelion.org, das revistas ContreTemps e Dissidences, colaborador do Le Monde Diplomatique (França). Últimos livros publicados: 2013, Chili 1970-1973. Mille jours qui ébranlèrent le monde (Rennes: PUR/Institut des Amériques) y (coord.) 2013 Emancipaciones en América latina (Quito: Instituto de Altos Estudios nacionales). E-mail: franck.gaudichaud@u-grenoble3.fr.

[2] Agradeço, pelas suas leituras críticas e comentários, a Rafael Agacino e Rocío Gajardo (FG).

[3] Declarações retiradas de: RFI 2013 "Michelle Bachelet, nuevamente electa presidenta" acedido em 19 de Janeiro de 2014.

[4] Consultar a página e comunicações em linha do Colóquio internacional que coordenamos com uma equipa de jovens politólogos da Universidade de Grenoble - França, Setembro de 2013, sobre: "Chile actual. Gobernar y resistir en una sociedad neoliberal", acedido em 19 de Janeiro de 2014.

[5] A Concertação de Partidos pela Democracia fundou-se em 1988 como uma coligação de dezassete partidos políticos de direita, centro e centro-esquerda que se opunham à ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), reagrupa sectores que vão do Partido Socialista renovado à Democracia Cristã, passando por pequenas organizações social-democratas instrumentais como o Partido pela Democracia, PPD. Los sucessivos presidentes da Concertação foram Patricio Aylwin (1990-1994), Eduardo Frei Ruiz Tagle (1994-2000), Ricardo Lagos (2000-2006) e Michelle Bachelet (2006-2010). Em 2011 assume o governo de direita de Sebastián Piñera, empresário multi-millonário que pretendia formar uma "nova direita", mais liberal e moderna.

[6] Em diversos trabalhos, o sociólogo Manuel Antonio Garretón insistiu sobre a existência de "espaços autoritários", aludindo à presença de elementos "institucionais, ético-simbólicos, representativos e culturais que são próprios de um regime autoritário, mas que estão incrustados no regime democrático, dando-lhe o carácter duma democracia incompleta" (Garretón M.A. y Garretón R., 2010).

[7] O Chile possui a maior reserva de cobre do mundo, hoje em grande parte em mãos de concessões a multinacionais. Entre 2004 e 2010, a CODELCO entregou às forças armadas cerca de 9 500 milhões de dólares para a aquisição ou renovação de material bélico, em nome da "lei reservada do cobre", vestígio de um conjunto de leis da ditadura.

[8] Utilizamos aqui como definição mínima do conceito de movimento social, considerado como "poder em movimento", a proposta de Sidney Tarrow: "Desafios colectivos colocados por pessoas que partilham objectivos comuns e solidariedade, numa interacção mantida com as elites, os opositores e as autoridades" (S. Tarrow, 1994).

[9] Durante as lutas estudantis, o declínio de popularidade do Presidente Piñera, traduzido na mais baixa aprovação para um governante desde 1990 (26% em Junho de 2011), também afectou a oposição, que obteve apenas 17% e uma desaprovação de 46% (Mira, 2011).

[10] O sociólogo Nicolás Fleet (2011) recorda que "nos termos de Max Weber, que cunhou o conceito, uma crise de legitimidade causou uma fractura no esquema de dominação no seu conjunto, produzida por um grupo social emergente que modifica a identidade da sociedade, ao mesmo tempo que pressiona por uma maior participação na distribuição do poder (e através da economia) e reconhecimento social, conduzindo à abertura deste esquema, ou seja, à sua democratização, ou ao seu fecho, que quer dizer exclusão".

[11] Um "fluxo de conflitos" representa uma série de momentos de protestos e conflitualidade ligados entre si e que o investigador isola para os estudar (Tilly, Tarrow, 2008).

[12] O sociólogo francês escreveu: "Produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, é dizer como o relato coerente de uma sequência lógica e ordenada de acontecimentos, é talvez sacrificá-la a uma ilusão retórica, a uma representação comum da existência que toda uma tradição literária não deixa de reforçar" (Bourdieu, 1986: 70).

[13] A "carta aos chilenos" da candidata começa assim: "Os chilenos podem dizer com orgulho que demos grandes passos nas últimas décadas. A pobreza diminuiu fortemente, a qualidade de vida no país melhorou e os problemas que temos hoje são os de uma classe média cada vez maior e que exige os seus direitos". Programa da Alianza pelo Chile 2013 < programa.evelyn2014.cl/ProgramaPresidencial-Evelyn Matthei.pdf ‎ > acedido em 24 de Janeiro de 2014.

[14] M. Bachelet chegou a ter mais de 80% de aprovação nas sondagens de 2009.

[15] Este texto assinala por exemplo que "uma multinacional doou 300 milhões de pesos ao comando Bachelet e 25 milhões ao de Matthei".

[16] La Segunda, 2013, (Santiago), 23 de Agosto.

[17] Ver: < http://michellebachelet.cl > acedido a 24 de Janeiro de 2014.

[18] O programa reza: "O Chile deve consolidar a sua condição de "país porto" e "país ponte" entre as nações latino-americanas do Atlântico Sul e da Ásia-Pacífico, o que requer melhorar a interligação, aumentar a capacidade dos nossos portos e aperfeiçoar os nossos serviços. O Chile está en condições de desempenhar um papel de ligação entre as economias de ambas os lados do Pacífico, aproveitando as boas relações comerciais que temos na região, assim como a nossa extensa rede de tratados de comércio livre (p. 154), < http://michellebachelet.cl > acedido em 24 de Janeiro de 2014.

[19] Nesta reconfiguração integraram-se na coligação também outros colectivos menores: a Esquerda dos Cidadãos (IC), que surgiu da Esquerda Cristã e que ficou com o Ministério dos Bens Nacionais (Víctor Osorio) e o Movimento Amplio Social (MAS) do antigo senador socialista Alejandro Navarro.

[20] Revista Caras, 2014, (Santiago), 6 de Janeiro.

[21] Pouco mais de 10% dos eleitores da segunda volta assinalaram no seu boletim de voto a inscrição «AC» para assinalar a sua adesão à perspectiva de uma assembleia constituinte: < http://marcatuvoto.cl/ > acedido a 30 de Janeiro de 2013. A Concertação, como a Alianza, oposeram-se sempre a um plebiscito que abriria caminho a uma constituinte, alegando que um mecanismo não contemplado na Constituição... da ditadura. Não obstante, o artigo 5 da Carta Fundamental de 1980 estabelece que "a soberania reside essencialmente na Nação. O seu exercício é realizado pelo povo através do plebiscito e de eleições periódicas".

[22] A reforma educativa tem um custo de uns 8 000 milhões de dólares segundo o programa da Nova Maioria, financiado integralmente pela reforma tributaria. A despesa na educação equivalia a 4,3 % do PIB em 2013, muito abaixo da média dos países da OCDE (integrada pelo Chile), que chega aos 5,8 %.

[23] Segundo a empresa de sondagens CERC (citada pela Reuters), cerca de 80% dos inquiridos referiu estar de acordo com a reforma educacional, uns 63% com o ajuste tributário e uns 71% com uma nova constituição: < http://lta.reuters.com/article/idLTASIEA0M04O20140123> acedido a 27 de Janeiro de 2014.

[24] As AFP gerem o conjunto das aposentações dos chilenos desde as reformas da ditadura (Walder, 2013a).

[25] Diario Financiero, 2014, (Santiago) 7 de Janeiro.

[26] O subsecretário de Minería que acompanhou o ministro era até ao momento gerente de uma empresa mineira denunciado por suas práticas antisindicais... (CIPER, 2013 in < http://ciperchile.cl/2014/01/30/nuevo-subsecretario-de-mineria-es-gerente-de-empresa-que-cumplio-50-dias-en-huelga/ > acedido a Fevereiro de 2014).

[27] Aos inexistentes expedientes de Eyzaguirre em matéria educacional, junta-se a nomeação, como subsecretária desse mesmo ministerio, de Claudia Peirano, conhecida defensora do ensino privado. Sob a pressão e perante as declarações críticas do sindicalismo estudantil, Peirano teve finalmente que renunciar ao cargo.

[28] La Tercera, 2013, (Santiago) 25 de Janeiro.

[29] Os nove candidatos que competiram por chegar a La Moneda foram: Franco Parisi (Independiente), Marcel Claude (Partido Humanista), Ricardo Israel (Partido Regionalista dos Independentes), Marco Enríquez-Ominami (Partido Progressista), Roxana Miranda (Partido Igualdade), Michelle Bachelet (Nova Maioria), Evelyn Matthei (Aliança pelo Chile), Alfredo Sfeir (Partido Ecologista e Verde) y Tomás Jocelyn-Holt (Independiente).

[30] Fonte: Dossier especial Eleições 2013 do jornal El Mercurio (Santiago), 18 de Novembro e 24 de Novembro de 2013.

[31] O complexo sistema binominal estabelece que o Tribunal Eleitoral proclama como eleitos senadores ou deputados, ambos candidatos duma mesma lista, quando um deles alcança o maior número de votos e a soma da votação de ambos representa o dobro do obtido pela lista seguinte em número de votos. Este sistema de "dobragem" permite excluir automaticamente as "pequenas" listas e sobre-representar as grandes coligações. Como anota Moulian, desta maneira "o sistema de partidos deixou de ser um sistema com polaridade e converte-se em un sistema de oposições consensuais, em cujas margens orbitam com pouco êxito partidos mais à esquierda" (Moulian, 2010): é precisamente o que pretenderam as reformas institucionais da ditadura, mantidas até agora.

[32] A Nova Maioria conseguiu um recorde de dobragens parlamentares em 11 distritos e os circunscrições senatoriais, quer dizer, elegeram os seus dois representantes em cada circunscrição. Este desempenho não se repetia desde 1993, ao nível do parlamento (Ver a análise de Pablo Cádiz e os mapas em < http://www.latercera.com/noticia/politica/2013/11/674-552430-9-mapa-de-los-doblajes-de-la-nueva-mayoria-en-el-congreso-un-escenario-que-vuelve.shtml > acedido a 29 de Janeiro de 2013).

[33] O sociólogo Felipe Portales demonstrou que, com as reformas de 1989 negociadas com Pinochet, a Concertação renunciou a maioria, e que durante os 20 anos de governo negou fazer uso dela no Parlamento, em momentos-chave em poderia começar a reformar a institucionalidade espúria herdada da ditadura (Portales, 2005).

[34] Sobre a crise da direita, podem consultar-se as crónicas de Manuel Acuña Aconsejo no sitio Rebelion.org: acedido em 30 de Janeiro de 2014.

[35] El Mostrador, 2014, (Santiago), in < http://www.elmostrador.cl/opinion/2014/01/01/la-victoria-de-la-nueva-mayoria-como-triunfo-de-la-elite/ > acedido a 30 de Janeiro de 2014.

[36] Com a inscrição automática, aumentou de oito para mais de treze millhões de pessoas o padão eleitoral.

[37] Depois de mais de 15 anos de ditadura militar, 96,6% das pessoas em idad de votar inscreveu-se nos registos eleitorais e, de entre elas, 89,1% acorreu às urnas para se pronunciar: o "não" a Pinochet acabou por impor-se com 55,99% do total de votos válidos (o Sim obteve 44,01%).

[38] Em Santiago, por exemplo, a abstenção para as presidenciais no bairro pudiente de Vitacura foi de 39%, nas comunas mais pobres, subiu para uma média de 60% (Punto Final 2013 (Santiago) Nº 796, 20 de Dezembro).

[39] A maioria dos centros de sondagens anunciaram durante meses a vitória na primera vuelta de Bachelet, o Centro de Estudos Públicos (CEP) outorgando apenas 14% de intención de votos a Matthei...

[40] Para rever parte dos resultados oficiais, consultar o sítio web do Serviço Eleitoral (SERVEL): acedido em 30 de Janeiro de 2014.

[41] Radio Universidad de Chile 2013 (Santiago) in < http://radio.uchile.cl/2013/11/17/eloisa-gonzalez-para-los-movimientos-sociales-las-elecciones-no-son-efectivas > acedido em 31 de Janeiro de 2014.

[42] O espaço dos movimientos sociais é «um âmbito de práticas e sentidos relativamente autónomo no mundo social», dotado de lógicas, referências, prácticas próprias, nas quais as diferentes organizações de protesto, agentes e causas "são unidas por relações, de intensidad e natureza variáveis" (Mathieu, 2012).

[43] Este movimiento conseguiu reagrupar também algumas pequenas orgânicas dispersas da esquerda radical ("Rodriguistas", correntes trotskistas ou libertárias, dissidentes do PC), como alguma força sindical, por exemplo a confederação bancária, dirigida pelo sindicalista Luis Mesina.

[44] Outra opção eleitoral foi a de Alfredo Sfeir Younis com temáticas ecologistas liberáis e espirituais "new age" e que obteve 2,35% dos votos.

[45] Organizações estudiantis, bem como vários sindicatos e federações de trabalhadores, anunciaram marchas e acções a partir de Março de 2014, quando a presidente Bachelet iniciar funções.

[46] El Mercurio, 2013, (Santiago), 19 de Novembro.

[47] Sobre a noção gramsciana de "revolução pasiva" aplicada à América Latina actual, ver: Modenesi, 2012 .

[48] Em 2008 e 2009, 22% da força de trabalho estava envolvida em algum bloqueio, em contraste com um 1%, 4,9% e 7,1% em 2005, 2006 e 2007, respectivamente.

Tradução de André Rodrigues.

Santiago de Chile, 5 de Fevereiro de 2014.

Este texto foi escrito entre finais de Janeiro e princípios de Fevereiro de 2014, no momento em que se instalava no Chile o governo da Nova Maioria. Foi publicado no último número da revista OSAL (Observatório Crítico da América Latina) – CLACSO (Buenos Aires) / nº 35 – Maio 2014 (em linha em www.clacso.org.ar/institucional/1h3_libro_detalle.php?idioma=&id_libro=875&pageNum_rs_libros=)


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