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120813 abelprietoCuba - Adital - [Atilio Borón] "Sem dúvida, Obama é uma pessoa com mais capacidade. Porém, isso é um entramado de poder", adverte Abel Prieto Jiménez, uma voz com peso no processo político revolucionário.


"As mudanças em Cuba não implicam na volta ao capitalismo", sustenta. Prieto, atual deputado e ex-ministro de Cultura de Cuba, esteve em Buenos Aires no passado mês de julho participando de uma série de atividades acadêmicas.

Atilio Borón: Queria começar pedindo uma reflexão sobre a importância que a Revolução Cubana sempre atribuiu ao tema da cultura, algo que muitas vezes fica eclipsado pela ênfase quase excludente posta sobre as transformações econômicas e políticas desencadeadas a partir do triunfo da Revolução

Abel Prieto: Atilio, recorda aquela frase de Fidel, quando disse que uma revolução somente pode ser filha da cultura e das ideias. Um conceito muito martiano [referente a José Martí] e muito gramsciano também, e que tem a ver com as ideias do Che acerca da criação de um homem novo, que é o que define realmente a transformação socialista do ser humano e de seu entorno. O que realmente levou a Revolução cubana até aqui –de um modo ou outro, com zigue zagues, com retrocessos, com dificuldades, com obstáculos às vezes que pareciam insuperáveis- foi a hegemonia em termos culturais das ideias do socialismo. O que fez o povo de Cuba resistir àqueles anos terríveis, os anos 90, a não ser convicções muito fortes, uma claríssima consciência em termos de que tínhamos que defender o espaço conquistado para as ideias de justiça, para as ideias da democracia autêntica? Me parece que isso teve muito a ver com a campanha de alfabetização realizada tão cedo, a criação da Imprensa Nacional, da Casa das Américas, do Instituto de Cinema (Icaic), ou seja, todo o aparato de proteção do patrimônio cultural, da memória cultural da nação desde seus primeiros anos, e a democratização do acesso à cultura. Com distinta ênfase e em distintas etapas, a cultura sempre foi uma prioridade para Fidel, como é ainda hoje para Raúl. E esta é uma das conquistas, digamos que definitórias, de nosso socialismo.

A B: Podemos dizer que é uma conquista fundamental, mais irreversível do que qualquer outra. Sempre me impressionou o fato de que a Casa das Américas ou o Icaic tivessem sido criados tão cedo pela Revolução Cubana, inclusive antes que outras instituições que têm a ver com a vida econômica, ou, inclusive, com a legislação agrária.

A P: O Instituto Nacional de Reforma Agrária, INRA, foi criado no início da revolução; porém, a primeira lei da Assembleia Nacional, já com a Revolução institucionalizada, foi a do Patrimônio Cultural.

A B: O Caribe é uma região onde o impacto da cultura norte-americana tem sido, tradicionalmente, muito forte e imediata, e dá a impressão de que em Cuba está sendo cada vez mais difícil subtrair-se de seu influxo. Até que ponto é certo e, caso seja, há maneira de contrarrestar esse processo?

A P: Em Rosario, quando falava do Socialismo e do Homem em Cuba, do Che, recordava que ele dizia que havia que combater as taras do passado. O problema é que hoje as taras do passado fazem parte da batalha cotidiana e, efetivamente, da mensagem consumista, frívola, a mensagem, digamos, pró ‘yanqui’, com uma certa idealização desse mundo norte-americano, que tem influído em alguns segmentos de nossa população e, eu diria, que contamina o ambiente espiritual em Cuba. Porém, tenho uma fé muito grande em que, inclusive, sob as piores condições, a identidade cultural cubana terá essa capacidade de resistir. Claro que não podemos deixar isso atado a um processo meramente espontâneo. Temos que ajudar esses processos acontecerem; temos que ajudar a criar novos paradigmas.

A B: Há quem diz que, com a atualização do modelo socialista, Cuba está voltando ao capitalismo. Isso é algo que nos perguntam permanentemente. Que pensas?

A P: Em primeiro lugar, creio que temos que recordar que os documentos levados ao recente Congresso do Partido foram discutidos por toda a população e enriquecidos na discussão pelas pessoas. E nesse documento, fala-se de formas de gestão não estatais; não se fala de privatização ou de propriedade não estatal. Fala-se de formas de gestão não estatais. Nós estamos arrendando terras a cooperativas ou a famílias, camponeses que têm a obrigação de fazer a terra produzir; porém, a propriedade permanece do Estado cubano em nome de todo o povo. Isso é contrário à privatização e um princípio básico é que nenhuma pessoa física e nenhuma entidade que maneje a produção ou os serviços com formas não estatais possam concentrar propriedade. De todo modo, a empresa estatal socialista, agora com mais atribuições, mais liberdade de ação e maior eficiência, sem as travas administrativas que a teve de mãos atadas, é a que nos tirará da crise. O conceito de saúde universal gratuita para todos/as os/as cubanos/as não será tocado, pois contribuiu com os índices de mortalidade infantil de Primeiro Mundo que temos atualmente. Não será tocado tampouco o acesso à educação universal e gratuita que temos hoje; ou seja, todo/a cubano/a poderá, segundo seu esforço, seu talento e sua capacidade, transitar da educação infantil até a universidade sem pagar um centavo. Nada disso é negociável; não privatizaremos nada disso e não estamos privatizando nada. É importante ressaltar isso. O conceito de privatização está, absolutamente, excluído como política.

A B: A imprensa de direita fez uma enorme difusão à versão de que um milhão de pessoas, de empregados públicos, seria demitida; e falou-se de um ajuste selvagem.

A P: Isso não é verdade. O que fizemos foi identificar, com muita seriedade e muito rigor, que pessoas são realmente necessárias no aparelho administrativo. É verdade que se anunciou que sobravam cargos nos órgãos; porém, daí a pôr essas pessoas na rua é algo que não tem nada a ver com nossas ideias e com a ideia na qual Raúl tanto insiste, que é anticapitalista por definição: não deixaremos ninguém desamparado; nem uma só família desamparada.

A B: O que acontece, hoje, com a juventude em Cuba? Houve um processo de despolitização em vários setores da juventude cubana? Não em todos, porque há um setor muito fortemente politizado. Como vês isso?

A P: Tu sabes que esse tema é abordado por Raúl com total crueza. A ideia é que, cedo ou tarde, a geração que assaltou o [Quartel] Moncada; que lutou na Sierra [Maestra] desaparecerá por razões biológicas. Ele falou sobre isso na Assembleia Nacional, onde se elegeu Miguel Díaz-Canel como vice-presidente do Conselho de Estado e de Ministros. Raúl conduziu um processo de promoção de jovens a cargos essenciais. Hoje, muitos de nossos ministros são muito jovens. Hoje, em nosso Conselho de Estado, está Bruno Rodríguez, nosso chanceler, que é um homem também muito jovem, com uma larga experiência como quadro da juventude. E no Comitê Central e na própria Assembleia Nacional há um monte de gente jovem com extraordinários méritos. Creio que há uma vanguarda de gente jovem que está muito politizada e que está bem comprometida em levar adiante o processo revolucionário. Vejo que há muita gente jovem que quer discutir, quer participar... Creio que esses espaços estão se consolidando, e creio que esse é um dos maiores desafios da Cuba Revolucionária hoje. Agora, vem o congresso da União de Jornalistas de Cuba*, porque nossa imprensa não está cumprindo o papel que lhe corresponde. Há muito tempo, em uma resolução do Buró Político, se falou na necessidade de uma imprensa crítica, que ajude a combater os problemas, a burocracia, os erros. Foram dados alguns passos: tu sabes que agora Granma tem uma secção todas as sextas-feiras de cartas dos leitores, onde são feitas denúncias importantes; e se está fazendo um determinado jornalismo de investigação para enfrentar o tema da corrupção e da conduta e mentalidade burocráticas, refratária a qualquer projeto de mudança. Raúl está encabeçando uma batalha duríssima frente à burocracia.

A B: Essa juventude está querendo poder viajar ao exterior, conhecer outros países.

A P: Desde o início da Revolução, colocamos todo o cinema capitalista em Cuba, pusemos o grande cinema europeu, italiano, francês, o cinema norte-americano, o de mais qualidade e o de menos qualidade. Ao contrário da experiência soviética, por exemplo, nós sempre trabalhamos sobre a ideia de que proibindo conhecer o exterior não se chega a nenhuma parte. É um grande erro que só acarreta que as pessoas acabem idealizando esse mundo que lhes é proibido.

A B: O que significou para vocês a chegada de Obama à casa Branca? O que aconteceu, concretamente, em relação ao bloqueio, a ‘Los Cinco’?

A P: O bloqueio se mantém intacto. E algo que não se divulga no mundo é que a burocracia de Obama tem sido mais eficiente do que a de Bush, para perseguir os bancos e empresas que violem o bloqueio estabelecido através das Leis Helms-Burton e Torricelli. Há empresas que receberam multas multimilionárias. E a administração de Obama tem sido tremendamente eficaz nesse sentido. Ou seja, no acosso a Cuba, sobretudo no campo financeiro. O que Obama trouxe de novo? Alguns vistos para artistas e acadêmicos. Porém, os artistas que viajam para os Estados Unidos vão só em viagens promocionais. Ou seja, nenhuma agência cubana que representa ao artista se beneficia com a turnê. É claro que o artista se interessa em viajar porque é um mercado importante em termos de arte; porém, eles tampouco podem receber dividendos, como faz qualquer artista que faz turnê pelos Estados Unidos. Dão a cada um uma espécie de dieta de bolso. Não podem receber dividendos, nem dinheiro por direitos autorais de suas obras que podem ser interpretadas por outros artistas.

A B: Porém, se dão um concerto e vendem as entradas…

A P: Não podem receber um centavo da bilheteria. Está proibido pela lei do bloqueio.

A B: E isso ainda é desse jeito...

A P: Sim, continua de pé, estrita e cruelmente… Obama permitiu que grupos de estudantes norte-americanos, de acadêmicos viajem com determinadas licenças. Essa tem sido a "grande mudança” da qual se fala; que não é nada de grande, sem dúvida. Por outro lado, mantém-se intacta a Lei de Ajuste Cubano. Inclusive, o lobby da ‘gusanera’ mais radical está inquieto porque diz que Cuba, com sua reforma migratória, pode estar preparando um novo Mariel "para encher Miami de comunistas”.

A B: Explica o que é a Lei de Ajuste Cubano, pois muitos não a conhecem.

A P: É uma lei incrível pela qual, pelo simples fato de pôr os pés nos Estados Unidos, os cubanos recebem uma permissão de estância, por um ano, e depois a residência definitiva. É um caso único: os EUA têm duas políticas migratórias: Uma para o resto do mundo e outra somente para os cubanos. Imagina! Os mexicanos e os centro-americanos podem ser mortos ao cruzar a fronteira; porém, se és cubano, não tens problemas, tens a possibilidade da Lei de Ajuste, o que permite ao governo norte-americano fazer propaganda... Porém, hoje, ficaram sem esse argumento. Antes, os cubanos também podiam viajar; antes existia algo que era a chamada permissão de saída, que vem de anos atrás, da época em que os cubanos começam a deixar Cuba, nos anos 59, 60, baptistianos [partidários de Baptista]; gente com crimes, torturadores, malversadores do tesouro público. Depois, as pessoas saíam de Cuba; porém, tinham que cumprir determinados requisitos: uma carta-convite do exterior, a famosa permissão de saída. Esses requisitos já não são solicitados. Hoje, para sair da Ilha, basta ter um passaporte atualizado e o visto correspondente. E não houve um êxodo a partir dessa reforma. Uma vez, Fidel disse que "o socialismo tem que ser uma boa obra de homens e mulheres livres”, ou seja, não pode construir-se com o sentimento de que te têm torturado.

A B: E em relação aos Cinco? René já voltou a Cuba …

A P: René regressou, tive a sorte de estar com ele e de ver como as pessoas reagem. Alicia Alonso organizou um espetáculo de balé pelos Cinco no Teatro Mella, e René foi assistir. E fiquei impressionado que, ao término da função, uma massa de gente o rodeou para tomar fotos com ele, para abraçá-lo. Porém, Obama não fez o que devia ter feito.

A B: Sim, porque se ele quiser, pode outorgar o indulto aos Cinco.

A P: Não o fez, a pesar de que poderia fazê-lo. Claro, recorda o que disse Fidel: "Clinton pode devolver a Elián porque as pesquisas davam que mais de 60% dos estadunidenses opinavam que o menino deveria ser devolvido ao seu pai, em Cuba”. E Fidel também disse que "quando consigamos que a opinião pública estadunidense favoreça o indulto, este lhes será dado”. Porque os presidentes estadunidenses funcionam assim: não de acordo a princípios éticos, mas pelo que dizem as pesquisas. Estamos ante alguém, Obama, que se tu o comparas a Bush, é um homem inteligente, que se expressa bem. Bush é um monstro de ignorância e de maldade. Sem dúvida, Obama é uma pessoa com mais capacidade. Porém, isso é uma estrutura de poder. Se está à frente do império é para aplicar a política imperial ao pé da letra.

A B: Obama ratificou a qualificação de Cuba como país que auspicia o terrorismo.

A P: É uma vergonha! Cuba é a grande vítima do terrorismo generalizado pelos Estados Unidos: guerra biológica, atentados em hoteis, bombas, sabotagens. Tudo isso padeceu Cuba. E eles têm aí um terrorista provado e confesso, como Posada Carriles livre, em Miami; e Orlando Bosch, que morreu em sua cama, mesmo sendo um grande criminoso.

A B: Um grande criminoso. Há pouco, inaugurou-se a biblioteca Bush, na Universidade Metodista do Sul (em Dallas, Texas), e lá estavam todos os ex-presidentes sobreviventes dos Estados Unidos: Bush pai, Bush filho, Carter, Clinton e, claro, Obama. Alguém perguntou a Chomsky o que lhe parecia esse espetáculo e ele disse: "Bom, lá você tem um monte de criminosos de guerra”. Todos juntos sorridentes, parecem boas pessoas; porém, são criminosos de Guerra.

A P: Isso mesmo, são grandes criminosos de Guerra.

[*A expressão corresponde a um momento prévio ao Congresso].

 


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