Ficamos sem saber, infelizmente, o que entende Lopo do Nascimento por lusofonia. A palavra nunca me agradou. Parece-me redutora, perigosa e até mentirosa. Redutora porque limita a um único país, Portugal, um conceito que – no meu entendimento – deveria englobar num mesmo plano horizontal e democrático todos os territórios onde se fala a nossa língua. Perigosa e mentirosa porque reforça a ideia de que Portugal foi sempre, e continua a ser, o centro de um longo e festivo processo de trocas culturais.
Entendamo-nos: a língua portuguesa surgiu em larga medida fora do território onde hoje se situa Portugal – na Galiza – e contou desde o início com forte contribuição africana. Antes de Portugal colonizar África, já África havia colonizado, por oitocentos anos, a Península Ibérica. A língua desses colonos africanos, mais propriamente da África do norte, o árabe, está até hoje presente no nosso idioma. Mais tarde, ao expandir-se através do Oceano Atlântico – que se chamou primeiro Oceano Etiópico, ou seja, Oceano Africano –, a língua portuguesa foi-se acrescentando com palavras provenientes de línguas banto, em especial do quimbundo e do quicongo, e das línguas indígenas do Brasil.
A festa não acabou. Prossegue até hoje – e há muito que Portugal deixou de ser o principal actor neste processo de construção e revitalização do idioma. Os principais actores são o Brasil, com os seus 180 milhões de falantes, logo seguido de Angola. Não sabemos o número exacto de angolanos que falam português como língua materna. Já devemos ser, contudo, mais do que os portugueses. E se ainda não é assim, há-de ser muito em breve. Além disso a língua portuguesa convive em Angola com idiomas indígenas, e, como vem acontecendo desde há séculos, estes continuam a enriquecê-la. As variantes do português brasileiro e angolano tendem a ser muitíssimo mais dinâmicas do que a variante do português de Portugal. Ao adoptar expressões do português angolano – bué, kota, garina, etc. – a juventude portuguesa mais não faz do que reconhecer tal dinamismo. O português de Portugal precisa hoje do português de Angola e do Brasil para se revitalizar. Precisamos todos uns dos outros.
É a esta festa que eu chamo lusofonia. Preferia, contudo, dar-lhe um outro nome. Uma designação que reflectisse o dinamismo e a democraticidade a que me referi atrás. Em vez de lusofonia, irmandade. Uma polifonia. Ou, para usar um neologismo ao gosto do moçambicano Mia Couto – no tempo em que Mia Couto gostava de neologismos – uma lingualdade. Um espaço de partilha, na igualdade, através da língua. Aceitam-se todas as sugestões.